O estado da arte da discussão cultural

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"Não se pode comparar" - é a máxima quando o que se quer proteger é a autonomia de uma obra. Não é contra a comparação que este argumento se volta, é contra qualquer exterioridade: um mecanismo de imunização. Não se pode mencionar outra linguagem que não a do "suporte", não se pode trazer à tona outro momento histórico, mesmo quando é a obra que o requer, não se pode cruzar poetas, mesmo quando um deles cita o outro. Se você fala prum estudante de cinema - ou prum cinéfilo, dá na mesma - que o filme de certo diretor não passa de uma banalização monotemática dos contos de um escritor consagrado nos quais o próprio diretor diz que se inspirou (e mesmo que o próprio diretor ressalte isso em todas as exibições públicas e que a menção aos contos compareça em todas as sinopses, até nas mais curtas), o estudante/cinéfilo te responderá que "Não se pode comparar as duas linguagens" - um argumento que, inconscientemente ou não, é de uma autoridade brutal e visa a infantilização, pois desde pelo menos a alfabetização qualquer um percebe a diferença entre uma imagem de TV e a página de um livro. "Não se pode comparar" é, na verdade, de um eufemismo pra "cada macaco no seu galho", que, por sua vez, quer dizer: há mercado para todos e não venha mexer no meu peixe.

(Um exemplo contrário a esta lógica que a confirma por sua excepcionalidade é o Vistos e escritos, melhor blog "sobre cinema" que conheço. A sua leitura dos filmes de Tarantino é, também, a melhor que já vi. Arte e crítica não são competições olímpicas, mas também não são Jogos Abertos).

6 Comentários

Alexandre,

Realmente, esse não se pode comparar é, provavelmente, o argumentum ad baculum mais recorrente em debates sobre arte. É só uma tentativa vã de proteger a obra de um artista de quem se gosta, mas que é reconhecidamente inferior a outro - e desse modo, amplia-se o próprio reconhecimento da inferioridade. Cria-se um falsa distição para se impedir a analogia e toca-se o barco. Tedioso.


Hm, não sei, não. Acho um problema variável demais para um post. Penso que há momentos em que a comparação - valorativa? - não leva a lugar nenhum mesmo. Em outros, de fato, deve ser argumento evasivo. Talvez seja uma discussão que só valha a pena ser feita colada na obra, partindo dela. O movimento contrário quer me parecer generalizante. Acho que você está pensando em Bressane/Machado. Neste acho, seu argumento deve valer. Por que você não mostra? Ainda não me convenceu. Estou disposto a ler o conto que não li. Quer dizer, afinal, é uma discussão - até mesmo um procedimento - que deve ser muito produtiva quando surge da própria comparação/não-comparação. Nem se compara.


Humm... Herr Victor... Uma coisa que a comparação de coisas aparentemente discrepantes contém é sempre a possibilidade de a comparação não servir para evidenciar as coisas como acontece num dia de fogos de artifício. Não é do triunfo que a comparação de coisas discrepantes corre atrás. O que acontece mesmo com essa história do "cada macaco no seu galho" é absolutamente o cegamento diante daquilo que é obscuro, é a própria efetivação de jamais se ver o escuro como escuro. A comparação entre semelhantes é frutífera, me parece, quando há algo a defender: um osso, por exemplo, uma galeria, um lugar confortável - ficções. Comparar coisas distantes é entrar no terreno pantanoso do desconforto, onde as ficções se mostram somente como ficções. Nesse terreno pantanoso, os galhos das árvores são ficções... Não há mais o que defender como antes se defendia, há pouco a perder. E justamente por isso, porque a catástrofe é anterior, é que me parece que encontrar a semelhança de distantes é mais interessante. Ela faz a roda dar mais uma volta: os personagens mudam de máscara ou a máscara fica tão evidente como máscara que o abalo é inevitável. A comparação de distantes nos possibilita ler aquilo que nunca foi lido, como dizia o Benjamin no ensaio sobre a semelhança e que Nodari e Flávia apresentaram, de modo muito sensível e lindo, nesse último Sopro, na parte dos ready-mades.


Alexandre,
Obrigado pelo que disse sobre o Vistos e Escritos. Fico muito lisonjeado!
Da minha parte, penso que o "não se pode comparar", quando falamos de estudantes, tem um papel importante.
Pode parecer irreal, mas a alfabetização média não contribui para que as pessoas saibam diferenciar uma página de livro e uma tela de cinema. Quanto ao cinema e ao audiovisual como um todo, a educação do espectador é quase inexistente. Simplesmente não aprendemos a "ler" criticamente estes meios na educação convencional.
Com isso, é relativamente comum que as pessoas considerem um filme e um livro "uma coisa só". Para elas, o que importa é o conteúdo, e não a linguagem. Muitas dizem: "Por que assistir 'Ensaio sobre a Cegueira' no cinema, se eu já li o livro do Saramago?"
Então, em um sentido, digamos, "pedagógico", o lema do "não comparar" me parece válido: ele impõe a diferença das formas, para que elas possuam a devida atenção, sem a qual não poderiam ser discutidas.
Agora, quando isso é transposto para a crítica cultural, pode sim ser sintoma de empobrecimento. Pois se é válido dizer que "Vidas Secas", o filme, é uma adaptação da literatura muito melhor que "Ensaio sobre a Cegueira", isso depende de uma comparação, nos termos em que você a reivindica. Um crítico que protegesse uma obra usando o "não comparar" como artifício retórico seria bastante desonesto.
Abraços!


Olá Alexandre!
Nossa, já escutei bastante "não se pode comparar".A sensação q dá é que a conversa acaba aí e ponto. Como não se compara não há o que relacionar entre uma obra e outra.A pergunta q fica é, a pessoa q usa de tal argumento, realmente crê nisso, ou esta frase serve de subterfúgio p encerrar o debate?
Durkheim dizia q não se compara coisas distintas. Atpé entendo em certos debates. Mas peraí, isso não pode se generalizar. Uma coisa é vc querer comparar a sensação de uma pessoa p outra de uma obre de arte.
Mas na discussão de arte, creio q há critérios em comum p se comparar. Caso contrário não fica no reino do empírico? Do sensorial? Não entendo muito bem de crítica de arte, mas se não tiver ferramentas p tal discussão, o q sobreria de uma crítica de arte?
Não sou especialista, mas se não se compara , tudo ficaria numa mesma escala valorativa?
Acredito q o campo da arte tenha suas peculiaridades, faço sociologia. NO entanto, a história do pensamento se fez, de certa forma, de um processo civilizatório onde os pensamentos se desenvolvem em COMPARAÇÂO à idéias passadas, pensamentos vão se constituindo através de processos. Sem a comparação e superação (ou retrocesso) de uma idéia não há evolução. Isso se faz através de comparações.
Não sei se era isso que vc se refere, mas escrevo isso, pois já escutei bastante essa frase tb, em referências a cinema.

Abraços!


Oi de novo!
Nossa, muito boa a crítica do Rodrigo sobre o Tarantino você idicou!
Vi quase todos do Tarantino, não desgosto, mas o que mais me impressionava era a clamação por parte de tantas pessoas com o Tarantino.
Adorei o texto!
Abraços


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"Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado
em todas as línguas"

Alexandre Nodari

é doutorando em Teoria Literária (no CPGL/UFSC), sob a orientação de Raúl Antelo; bolsista do CNPq. Desenvolve pesquisa sobre o conceito de censura.
Editor do
SOPRO.

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