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IV - OS GATOS DE ROMA
Os Cesares do Império Vermelho


Os escrúpulos morais do europeu são conservados vivos pela presença telúrica, isto é, pela permanência do habitante no seu solo ancestral e pelas forças do erotismo artesanal enquanto que o sul-americano, sendo um integrante seccionado do seu centro telúrico, não conserva a força ancestral tampouco os laços que o amarraram e o escravizaram à sua ética ancestral e ao seu comportamento artesanal e folclórico. Exceção feita ao importante substratum mongolóide sul-americano que se encontra localizado nas alturas dos Andes, aquele elemento estatuesco que não conhece o sorriso em virtude da altitude e cuja tristeza é uma submissão fatalista às forças telúricas. O substratum mongolóide continua sendo a primeira força étnica do continente apesar dos esforços do imigrante de aniquilá-los, só os portugueses queimaram cerca de três milhões de índios no Maranhão, que preferiam esse destino ao de ser escravo.

A ausência de escrúpulo moral do sul-americano traz uma forma de baixeza espiritual que pelo seu imediatismo é quase existencialista em estrutura.

Toda ética e todo conseqüente escrúpulo moral do europeu tem como encubadeira a península Itálica e como veículo de transporte o cristianismo.

A ética do atual europeu é baseada nos processos masoquistas de sofrimento e auto-expiação firmados na península itálica pela oficialização do cristianismo no séc. IV efetuada por Constantino, o Grande (muitos duvidam dessa grandeza de Constantino) e que se propagou por toda a península acelerando poderosamente a decadência do Império Romano entre os séculos V e XII.

A decadência do Império proveniente da expansão do cristianismo trouxe consigo o abandono do culto do herói. Na antiguidade, toda vez que o culto do herói era abandonado ou negligenciado, surgia, diziam, como conseqüência, a peste, as más colheitas e a desgraça geral, isto é um castigo à nação apoiado pelo oráculo Délfico.

Portanto, o abandono voluntário do culto do herói era um acatamento à desgraça e ao sofrimento. Era mais que uma coincidência o aparecimento juntos da entrada do cristianismo e o abandono do culto do herói. Tanto o abandono do culto do herói como o cristianismo se apresentam como estruturas anímicas masoquistas, isto é, solicitando voluptuosamente o sofrimento e a dor como método de expiação e quando ambos os fenômenos surgem e se desenvolvem simultaneamente, temos tudo para acreditar que ambos se encontram poderosamente ligados na sua existência. Essa negligência do culto ao herói, mesmo quando acontecendo antes de Cristo, deve ser tomada como uma manifestação primitiva do cristianismo.

O abandono do culto do herói trazia desgraças para o povo e a nação e as trouxe na forma de decadência do Império concomitantemente com o advento do cristianismo. Foi o Império Romano Cristão que provocou a desintegração do Império Romano em si. As perdas das províncias do Império começaram no séc. V com a implantação oficial do Cristianismo.

Tanto o cristianismo como o abandono do culto do herói se encontravam em incubação muito antes dos seus adventos efetivos. Há mesmo um período de transição bem observável, Nero, o místico Anticristo e o último dos Cezares se fazia adorar como um deus, Octaviano se fazia adorar na Ásia e no Egito e proibia oferendas e o culto divino de sua pessoa na Itália. Contudo, até o momento da oficialização do cristianismo por Constantino, o Grande, perdura a adoração ao imperador proveniente do mundo Grego e Romano.

No início da era cristã, mais da metade da população de Roma era constituída de escravos, por conseguinte já possuía o elemento humano adequado a receber uma religião baseada na dor e no sofrimento, um elemento humano estereotipado na direção do masoquismo. O abandono do culto do herói com conseqüentes desgraças à nação já era coisa desejada como volúpia por uma população (d)e escravos afeita ao sofrimento e que recebia como visão estética o espetáculo de um Cristo em feridas e a expiação pela dor. O período que marca o desenvolvimento do Ocidente se processa entre os séculos V e VII, isto é, precisamente o período que marca o início do desmembramento e decadência do Império Romano.

Hoje assistimos ainda aos últimos movimentos de forças emanadas do Império Romano Cristão e que por sua natureza de fim de ciclo, de degeneração endogenética, provocam o aparecimento de um Império Anticristão. São precisamente as forças masoquistas do cristianismo que precipitam o advento do Império Vermelho como um herdeiro natural do Império Romano Cristão.

O momento que passa presencia na realidade a fase final de desintegração do Império Romano. O cristianismo nada mais é senão as últimas mágoas do Império Romano, o Império em estado de luto e dentro da História é a força motriz que provoca o aparecimento do Império Vermelho. Nascido dentro do Império, o cristianismo é uma cria do Império e a sua existência está ligada à existência do Império Romano e é por esse motivo que quando surge um Império Anticristão, surge com todas as características do culto do herói do mundo Grego e Romano e este aparecimento deve ser ligado ao cristianismo que o repudiou e o substituiu e deve ser considerado como uma conseqüência do cristianismo, talvez o fim deste. O novo Império Vermelho se choca contra o cristianismo por ser este o seu parente mais próximo e o seu antepassado natural.

Impérios como o britânico e o francês pertencem ao cristianismo: são constelações que abandonaram a órbita elíptica do Império Romano e representam últimas fagulhas do Império Romano; não tem a importância histórica do advento do Império Vermelho.

Coisa curiosa e importante: todos esses impérios procuram suas forças vitais na Ásia e na África.

O convite permanente ao sofrimento e à dor, cantado na paz sepulcral do mundo, tinha que culminar no reaparecimento do culto do herói e num processo de ação que produziria o espetáculo da miséria e de dor, tão desejado pelo beato milenar a fim de ocupar a sua vontade de expiação e a sua santidade, sob pena do beato se tornar um “chomeur”.

O Império Romano sempre exerceu uma enorme influência sobre os povos eslavos e a História apresenta hoje a concretização de uma doutrina antiga pela qual os Tzares da Rússia seriam os herdeiros naturais dos Czares Romanos.

A instituição política tzarista de recente atualidade era uma filosofia política teocrática que derivava a sua autoridade da Divindade e do culto do herói, o mesmo acontecia com o estado autoritário Hegeliano-Prussiano dos séculos XIX e XX que deu origem aos Duce, Fuhrer e Caudilho, todas sobrevivências do antigo culto do herói.
Os cezares vermelhos Marx, Lenin, Stalin e talvez Khrushchev não derivam a sua prática de autoridade do marxismo, mas sim do culto do herói.

As incantações sepulcrais de cristianismo despertam as danças, os cânticos, as mímicas que deram origem a Tragédia executadas frente ao túmulo do Herói Grego.


Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 27 de janeiro de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.