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VI - OS GATOS DE ROMA
O culto do herói, o gótico e o barroco


As massas de povo vibram com o espetáculo da violência e da lubricidade. Sangue, lubricidade e violência foram e são os modos de ação e o divertimento do homem e o serão também no futuro próximo.

O Culto do Herói era um culto que, nascido das primeiras necessidades emotivas dos primeiros homens, continha na sua ação dramática o balsamo suficientemente acolhedor para abrigar todos os desejos angustiosos do homem que começava. Os heróis manuseavam o drama oscilando sempre entre lubricidade e violência dentro de uma “mise-en-scène” de sonho de “feerie” e de fantasia, sem tempo e sem cronologia, sem começo e sem destino, algo suspenso dentro da espécie que se repetiria por imposição da própria espécie. Todo o conteúdo da ação dramática se desenvolvia com limpidez e clareza dentro dos desejos imediatos da vida diária: não havia convívio messiânico, havia apenas exibição de feitos fantásticos.

A ação dramática do herói deve ser considerada como um mecanismo do mundo do sonho e essencialmente hipnótica pertencendo a encruzilhadas filogênicas. O culto do herói lidava com duas manifestações extremamente vitais, a violência e a lubricidade, duas coisas ligadas ao mundo imediato e à vida, duas expressões que se encontram no começo e ao que parece continuam tomando parte ativa na conservação do homem e na produção do seu “sense of humour”.

O homem comum não participava do convívio messiânico com o herói e o seu mundo; ele amava esse mundo porque seu conteúdo era folclórico e onírico: o folclore eram as necessidades rítmicas da sua própria vida e a parte onírica, os seus desejos mais ocultos e as suas angústias mais antigas. A este homem comum, o cristianismo, uma religião judaica em essência, espírito e raça copiando as antigas religiões egípcias, oferecia uma grande participação nos lucros no Reino do Céu após o preenchimento conveniente dos sete Sacramentos, o que permitia a sua presença frente ao Deus e após a passagem pelo sistema ético masoquista de uma colônia correcional disciplinar denominada Purgatório. A esse propósito lembramos que o temperamento judaico é anti-esquizotímico, anti-abstrato, anti-nórdico e anti-gótico.

O homem comum estava mais ligado ao delírio do herói, cuja ação dramática o fazia vibrar, do que ao Reino do Céu, onde ele penetraria com o título de Santo já adquirido em vida. No começo todo cristão era chamado Santo.

O cristianismo se tornava uma força histórica porque encontrava para o uso imediato uma população de escravos já afeita ao sofrimento e já, em virtude de uma posição de baixa hierarquia predisposta ao convívio messiânico por motivos de nivelamento natural, um fenômeno sempre presente.

Foi a formação de uma iconografia aparecer como força fundamental da História. A abolição do Culto do Herói traz sérias complicações nos laços afetivos do povo que necessitava do velho hábito. Essas perturbações afetivas tornavam o terreno propício à cultura do cristianismo.

No séc. V justamente com a oficialização do cristianismo começam a aparecer os primeiros verdadeiros Santos do novo panteão cristão. Só com a oficialização era possível semelhante operação, pois um Santo oficial era um personagem aprovado pelos poderes públicos e que, por conseguinte, podia impor a sua presença em todos os lares e a imposição tinha o mesmo efeito da cobrança de um imposto, seria aceita e solicitada para ser posta de lado com brevidade.

Só a oficialização do cristianismo poderia impor a substituição do herói pelos Santos, pois sem os poderes públicos essa modificação não se faria porque faltava aos Santos porque faltava aos Santos a lubricidade e a violência que caracterizavam o herói antigo e que tanto agradavam aos impulsos populares.

A repressão ao Culto do Herói, a oficialização do cristianismo e a substituição de Heróis por Santos no sec. V constituem a formação das forças que levariam à decadência do Império Romano Cristão nos séculos XII e XIII culminando na perda do poder religioso e na sua substituição pelo poder secular no século XVI conseqüente ao aparecimento das forças dissolventes e coincidindo com a entrada espetacular do Barroco na Itália no mesmo sec. XVI. No séc. XVI se inicia o pomposo enterro do cristianismo com a magnífica “mise en scène” do Barroco.

As forças fundamentais da História, por imposição da própria História, haviam congregado na península para a formação de um novo temperamento; o temperamento Barroco que aparece precisamente no limiar do Grande Finale do cristianismo como uma indicação das mudanças do mundo a vir.

No entanto o Gótico surge antes do Barroco e é localizado em raças que se manifestam com um temperamento diferente do temperamento das raças tomadas e influenciadas pelo Barroco.

Esta preferência do Gótico numa manifestação da história sugere a colocação do temperamento esquizotímico (sensibilidade interior e frieza externa), peculiar à ração Nórdica antes do temperamento ciclotímico (alegria e melancolia) peculiar às raças Alpina e Mediterrânea. 


Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 10 de fevereiro de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.