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VIII - OS GATOS DE ROMA
A Floresta e o Gótico

As catedrais góticas são reversões filogenicas aos antigos santuários na floresta.

O Gótico representa a fusão da vida vegetal e animal na floresta enquanto que o Barroco é uma expressão da luxúria do homem na cidade. O Barroco substituía o recalque de centenas de anos de cristianismo, substituía as necessidades orgiásticas e os feitos violentos do culto do Herói afastado, porque o Barroco era essencialmente lúbrico. A repressão ao Culto do Herói trazia um Barroco asfixiando e enterrando o cristianismo, precipitando o aparecimento de pensamentos dissolventes e trazendo o espírito secular que era início de internacionalização do espírito.

O Gótico é uma expressão e uma sobrevivência do Culto do Herói. Seria uma sobrevivência encapada e escondida em estado latente dentro de camadas antigas e quando se manifesta aparece como um fenômeno de reversão.

O Gótico mui apropriadamente aparece antes do Barroco assim como a floresta se encontra antes da cidade, o que nos leva a crer que o temperamento caracterizado pelo Gótico antecede também ao temperamento Barroco.

Não se pode dizer que o Gótico seja mais telúrico que o Barroco; as forças aglutinadoras do animal e do vegetal na floresta são tão telúricas quanto a luxúria do citadino, apenas a luxúria proveniente da aglutinação do animal e do vegetal na floresta é forçosamente anterior à luxúria do homem em virtude de suas posições na escala evolutiva.

A luxúria das selvas e a luxúria do citadino se apresentam como duas expressões fundamentais de temperamentos, a primeira produzindo o temperamento esquizotímico e a segunda o temperamento ciclotímico.

As selvas se encontram nos baixos planos enquanto que as cidades-massas de alvenaria se assemelham e identificam às rochas desnudas e de fato se situam com maior freqüência em cima dos picos e elevações e são formadas em torno de castelos que exerciam funções de defesa. Isto nos leva a crer na existência de um temperamento de baixo plano e na existência de um temperamento de montanha diferente do primeiro.

Nas suas expressões mais típicas o homem de baixo plano seria alto, fino, com extremidades compridas e cabeça alongada enquanto que o homem da montanha seria baixo, largo e de cabeça larga. Semelhantes condições são encontradas entre as raças Nórdica e Alpina e na América do Sul observa-se que o habitante do Chaco Boreal é alto e comprido e à medida que nos aproximamos das montanhas o habitante muda de tipo, diminui (diminpi) em altura e ao alcançar os Andes na Bolívia, entre os povos Aymarás, o habitante torna-se baixo e largo e de cabeça arredondada e com membros curtos. O índio sorridente do baixo plano é substituído pelo índio taciturno, triste e sem sorriso em cima dos Andes.

Os característicos polarizados do temperamento Gótico são em natureza e movimento, mais primitivos que os característicos polarizados do temperamento Barroco ou, para ser mais claro, se encontrariam antes do Barroco nas formações cíclicas de temperamento.

Os críticos embevecidos com o fantástico das linhas verticais sveltas do Gótico e com fuga aos detalhes clássicos da arquitetura, passam a considerá-lo como uma manifestação de liberdade e em virtude das grandes alturas alcançadas, como um movimento rumo a Deus. Nada mais errado. O Gótico não é uma manifestação de liberdade, mas sim uma reversão estético-erótica à “mise en scène” do antigo Culto do Herói na floresta e a altura alcançada é a altura das árvores na floresta e a estrutura da abóbada é a própria estrutura das copas das árvores juntadas umas às outras. A altura, a idéia de crescimento e o mistério do Gótico estão de acordo com o característico típico esquizotímico da raça Nórdica em cujos territórios ele floresce. As estranhas formas vegetais habitadas por monstros maravilhosos, seres lendários de um mundo sem fim, eram recordação de uma época em que o culto era praticado em plena floresta entre o uivo das feras e o canto dos pássaros, ao som de hinos monotonais e gritos de histeria, nos festivais fecundantes da primavera e do verão e durante o culto à Rainha deitada sobre o altar, se entregava ao herói, ante os olhares encantados da assistência, para garantir magicamente por imitação, a fertilidade da terra e a continuidade da espécie. Eventualmente o herói se tornava o próprio sacerdote.

Entre os teutônicos da raça Nórdica os templos eram no início o próprio bosque e as investigações feiras por Grimm sobre a palavra teutônica templo assim o indica.

É, precisamente, entre os povos da ração Nórdica onde o culto da árvore é mais intenso, entre os celtas nórdicos e os Germanos, povos em cujo território germinou e se desenvolveu o Gótico e que são também os povos que melhor conservam o Culto do Herói. Os Druidos (célticos) tinham um culto especial para com o carvalho.

Os Deuses e os Heróis eram personificados nas árvores da floresta e estas tinham propriedades anímicas e recebiam sacrifícios humanos: freqüentemente uma moça.

Todos esses fatores apontam para um estilo aparecendo como conseqüência da morfologia da floresta e da árvore, como conseqüência de forças telúricas, um estilo que se espalha pelas regiões baixas onde se encontram as florestas.

É um estilo que aparece por imposição de forças fundamentais da História apresentadas ao mundo no santuário do Herói e que pela sua potencialidade cria um temperamento Gótico que teria tomado parte preponderante na formação da raça nórdica, espalhada pelas regiões baixas.

A floresta se define então como base de uma cultura e de uma civilização. O biotipo e a raça são em grande parte funções da paisagem.    


Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 24 de fevereiro de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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Amor

Notas para a reconstrução de um mundo perdido (VI):
O culto do herói, o gótico e o barroco


Notas para a reconstrução de um mundo perdido (VII):
O Sonho e o Herói



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.