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IX - OS GATOS DE ROMA
A simulação, a Floresta e o Primeiro Temperamento – A Descida da Árvore

O homem está intimamente ligado à árvore no seu passado antigo e a floresta é o seu primeiro habitat.

O primeiro temperamento do homem nasceu na floresta e não podia ser de outra maneira, pois a floresta foi a sua primeira casa e foi nela que ele iniciou a sua atividade de Homo Faber.

Não nos esqueçamos que foi a Floresta que serviu de apoio e cenário para a espetacular Descida da Árvore pelo antepassado do homem; o acontecimento mais importante da sua vida. A floresta seria o berço das primeiras forças afetivas do homem. O Temperamento é o laço afetivo que liga o homem à terra. É a raiz que liga o homem à terra estabelecendo o seu equilíbrio mental, que forma o temperamento da mesma maneira como as raízes de uma árvore estabelecem e determinam o equilíbrio da árvore.

Essas raízes-temperamento que prendem o homem à terra teria iniciado a sua formação somente após a Descida da Árvore pelo Australopictecto. Descobrindo a paisagem, o pré-homem descobridor estabelece a possibilidade de aparecimento dos biótipos diversos, cada um deles ligados à estrutura séssil da paisagem. São essas raízes-Temperamento telúricas que formam o biotipo e estabelecem uma ligação permanente entre o tipo humano e a paisagem.

Sendo o temperamento uma força telúrica ele provocaria a mesma feição cósmica das plantas quando atuando num plano recuado da formação do homem, como por exemplo, o sono. Um homem adormecido é tão cósmico quanto uma planta porque nesse estado de distensão ele perdeu toda capacidade de movimento locomotor e se encontra preso à terra como a planta.

Durante o sono todas as criaturas se transformam em plantas, nos diz Oswald Spengler.

Todas as manifestações de vida que tomam parte na formação da floresta eram no seu início apenas as plantas, portanto um retorno ao passado antigo, que se dá durante o sono, pode bem trazer uma situação de planta como quis Oswald Spengler.

As anomalias oníricas se encontram dentro da floresta. Os três grandes produtos da floresta são: o Herói, o Histérico e o Homem adormecido sonhando. Todos possuindo o fator comum da Simulação.

O Herói, o Histérico e o Homem adormecido sonhando possuem a mesma ação dramática no mundo do irreal e do desejo. Todos se apresentam fantasiados para melhor suportar o contato com o irreal. O disfarce funciona como uma proteção e para esconder a sua agitação anímica e seu sentimento de inferioridade frente ao mundo e para a conservação e afirmação do Eu. A simulação capacita o encaminhamento da ambição.

O Herói era o salvador anímico do homem e tinha seu culto realizado dentro da floresta em atenção à ligação antiga entre o homem e a árvore, o histérico é o eterno ator que irá mostrar ao mundo a importância da mentira na criação do Homo Socius, a simulação histérica tornou-se o traço mais importante do Teatro e encontrara na floresta o seu abrigo por excelência, o Homem adormecido sonhando é o ser em estado ideal de liberdade pelo qual todas as angústias podem ter uma saída; é o homem-planta que contempla o seu futuro. A floresta já apresentava em si as condições dramáticas apropriadas à dispersão de imagens (assintáticas) encontradas no sonho e na conduta do Herói. O jogo de luz e sombra da semi-claridade, a feição de nébula, eram condições apropriadas a esconder formas e simular desejos e apropriadas para a criação das aglutinações de homem-árvores, de animal-vegetal, de homem-animais, encontrados no sonho e no pensamento do homem primitivo que se confundiam.

O sono é o grande produto da floresta porque pelo sonho, ele gera a simulação. Pela simulação o homem consegue se libertar e se salvar. É esta salvação obtida pela mentira primitiva que o coloca rumo ao Homo Socius. A simulação e a mentira se tornam as forças vitais do início do Homo Socius e a mais importante manifestação social de caráter gregário.

Para o homem que nasce não pode haver gregarismo sem a mentira, pois o seu sentimento de insegurança seria intolerável.

A simulação nascida na floresta cria o primeiro Temperamento do homem, o temperamento proto-esquizotímico.      


Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 03 de março de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.