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 Cartão de visita
 Victor da Rosa

A partir de 1839, com o anúncio oficial da invenção do daguerreótipo, “câmera capaz de reproduzir formas e proporções com uma precisão quase matemática”, que logo evoluiria a processos fotográficos mais ágeis e sofisticados, começam a aparecer também os estúdios que ficaram conhecidos como “salão de poses”. O anúncio foi feito em Paris, poucas semanas depois a notícia chegou com grande impacto no Rio de Janeiro, através do Jornal do Commercio, e em janeiro de 1840, pelas mãos do abade francês Louis Compte, as três primeiras imagens foram registradas em território brasileiro, a pátria do sol – três vistas da região central da corte. Depois, o interesse imediato de dom Pedro II, que tinha 14 anos quando adquiriu o primeiro daguerreótipo em março daquele mesmo ano de 1840, tornou-se uma espécie de marco zero na história da fotografia brasileira.

A história da fotografia torna-se mais decisiva, no entanto, e isto sob diversos aspectos, apenas no final dos anos 50, sobretudo quando são estabelecidas técnicas de reprodução, já que daguerreótipos geravam imagens únicas e conservavam “a característica básica do retrato pintado, isto é, sua unicidade”, como escreve Boris Kossoy. Além do mais, era insignificante o número de daguerreotipistas atuando no Império durante essas duas décadas, mesmo em suas principais capitais, sendo a maioria deles itinerantes. É com a consolidação do uso dos negativos, portanto, que a fotografia se populariza, os estúdios se multiplicam e principalmente os retratos entram na moda. Em 1863, mais ou menos trinta estúdios fotográficos anunciavam seus serviços no Rio de Janeiro, atraindo não apenas representantes das elites; em Londres, dois anos antes, são cerca de duzentos estúdios. “E assim atingiu-se o ciclo mais importante na história do retrato: a democratização da imagem do homem através da fotografia”, nos diz Kossoy.

O cartão de visita, “a moda mais popular que a fotografia assistiu em todo o século passado”, além de marcar o início da época da reprodução, era também a primeira miniatura – o que significava, além do mais, uma diminuição considerável nos custos de produção e preços mais acessíveis aos clientes. Introduzida em 1854 por outro francês, André Disdéri, a carte de visite consistia no retrato colado em um cartão com as dimensões, em média, de 5cm x 10cm, cuja principal finalidade era oferecer imagens a amigos e parentes. Mais do que mania passageira, os retratos em pequenas dimensões – que, aliás, diminuiriam mais ainda durante a década de 60, chegando a estampar medalhões, broches, botões e até anéis – seriam responsáveis por uma evidente aceleração do mercado de imagens, espécie de paradigma de um novo tipo de representação visual. O álbum de família, que entrou em desuso apenas recentemente, foi a solução encontrada para organizar aquelas fotografias que se multiplicavam.

A verdade é que a técnica fotográfica, antes mesmo de ser reconhecida como arte, segundo discute Maria Inez Turazzi em seu estudo sobre o papel da fotografia na era do espetáculo, “já dava sinais de estar se transformando em uma mercadoria como outra qualquer.” Enquanto os salões de Belas Artes fechavam as portas para qualquer tipo de inovação técnica, a fotografia teve presença constante nas salas das exposições universais, a partir de 1855, na Exposição de Paris, sempre designada como “arte industrial” ou “liberal” – rótulos eles próprios híbridos, ambíguos. Em 1862, ano da Exposição Universal de Londres, uma companhia inglesa, a London Stereoscopic, chegou a vender mais de 1 milhão de cartões com imagens variadas da cidade. Por estes anos, tambémo retrato de celebridades – como é o caso de dom Pedro II, uma das figuras mais retratadas do século – começava a se tornar uma verdadeira epidemia.

De fato, foi rápido o processo que fez da fotografia um souvenir, expressão do francês que designa algo que “vem de baixo”, portanto algo vulgar, ou em sentido mais corrente: “bibelot qu’on vend aux touristes”, lembranças da Torre Eiffel. Ainda no final do século XIX, o crescimento das viagens e o início do turismo também contribuem, através da popularização dos cartões postais, para a entrada da fotografia na cultura de massas, assim como contribui o fotoamadorismo, que tornou-se uma prática comum depois de outra invenção fundamental: a máquina portátil. Em resumo, se a fotografia na década de 1840 ainda se confundia, por exemplo, com prestidigitação, dando ocupação aos charlatães, visto a falta de informação que ainda existia a seu respeito, nos últimos anos do século era uma atividade profissional bastante consolidada, uma prática que alterava radicalmente a relação do homem com as imagens. A rigor, o homem agora é um animal que vai aos estúdios para fazer seu retrato.

 


A

Amor (D.H. Lawrence)
Amor (Flávia Cera)
Antropofagia (Jarry)
Antropofagia (Tejada)
Assalto ao céu
Assistentes

B
Bares proletários

C
Cadeiras
Cara de Cavalo
Caráter

Cartão de visita
Cauda, A
Como
Coroinhas

D
Devir-animal (ou cinismo)

E
Entidade
Espelho
Exterioridades Puras
Experiência(s)

F
Fetiche
Ficha catalográfica

G
Google

H

I
Intrusos
Intrusos (II)

J
Juridiquês

K

L
Libelo

M
Marginal
Metropolis
Mickey Mouse
Moldura Barroca

N
Negatividade

O

P
Página branca
Paráfrase
Partout
Perspectivismos
Pesquisador
Possessão
Profanação

Q
Quixotismo

R
Rio
Rosto (de Lévinas)

S
Saliência

T

U

V
Vestígios (I)
Vestígios (II)

W

X
Xeque-mate

Y

Z


Texto anterior:

O belo inferno


[ Edicão integral ]



 


é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.