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Bilhete sobre Fantasia
por Oswald de Andrade
(Publicado na revista Clima n.5,
outubro de 1941 - São Paulo)
Sr. redator,
Eu tinha simpatizado com a “Pastoral”, quando o mundo do cinema ainda era a análise. Permitida, portanto, a disjunção entre as canções da criada de Bach e Beethoven e, por exemplo, o susto das cavalinas sentimentais que são muito boas. A gente gostava, como Nietzsche gostava de Carmen. Por causa dos toreros. Sem nenhuma malícia. A sua geração lê desde os três anos. Aos vinte tem Spengler no intestino. E perde cada coisa!
Olhe, o que houve foi isto: a música pertence ao silêncio (é uma tese que reservo para “Marco Zero”). E Walt Disney faz cinema falado. Stokowski também é cinema falado. Desse macarrão, só se podia salvar o anedotário do desenho animado, longe portanto de Beethoven e Bach que são silêncio. Os críticos e os músicos não podem compreender isso porque entendem de si bemol e de clave de fá. Eu vi o desenho de “Pastoral” como meu filho de onze anos e vi assim a “Dança das horas”. Não ouvi Bach nem Beethoven. Nem fui lá para essa proeza, de que qualquer senhora prendada é capaz.
Agora porém o cinema produziu o seu primeiro filme clássico – “Cidadão Kane”. Agora sim, o ca-minho foi achado. Mas não creio que Walt Disney o enxergue É nos horizontes de Orson Welles que se encontrará o som que é imagem fundido no silêncio.
Do seu clima,
Oswald de Andrade
Em outubro de 941.
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