"Realmente, democracia é osso duro de roer. Quer um exemplo? O lamentável debate sobre nada, ou menos que nada, que acaba de ser protagonizado pelos ministros Cézar Peluso e Celso de Mello. Já havia seis votos pela improcedência da ação direta de inconstitucionalidade 3.510, como disse Celso de Mello, mas Peluso resolveu chiar porque seu voto não foi incluído na soma. Ora, não tinha a menor importância material para o resultado - seis votos já constituíam maioria. E ficaram lá os dois ilustres causídicos, eminentes juristas, egrégios ministros etc. debatendo o significado do verbo "declarar"... Façam o favor.
Vai ser preciso esperar ainda muitas gerações para que nós,
brasileiros, aprendamos que ela funciona melhor quando os discursos vão
direto ao ponto. Se quiserem de fato melhorar a eficiência da Justiça
nacional, deveriam começar por aí: com cursos de objetividade e síntese
para juízes. Ganharíamos um tempo enorme."
(Marcelo Leite, no post de seu blog de 29 de maio de 2008, sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito de uma fácil questão de ser sintetizada de forma objetiva, o conceito de vida)
LEGENDA
"O "idiota da objetividade" é a falta de complexidade do sujeito que
diz só a coisa certa ou aparentemente certa e não vê que todo fato tem
uma aura."
(Nelson Rodrigues, "A Desumanização da Manchete")
"Contra Fatos, há Argumento"
(Slogan da revista Argumento, publicação de oposição ao regime militar de 1964)
Discordo. Nelson Rodrigues era o oxímoro em pessoa, e essa declaração dele foi só mais uma de tantas que ele deu que contrariava a si próprio. O motivo - além de afirmar-se pelo seu contrário - era chocar a sociedade, ou épater la bourgeiosie, como se dizia na época. O homem foi um primor de objetividade no estilo de escrever.
Já o estilo causídico baiano, Ruy Barbosa do século XXI, perdido entre laudas e laudas de discurso, esse cansa um pouco.
O blog está muito legal, Alexandre. De vez em quando passo por aqui. Um abraço, V.
Cassio: a questão não é Nelson Rodrigues e nem estilo. A questão é o Marcelo Leite achar completamente sem importância os ministros do STF discutirem sobre a contabilização de um dos votos, só porque ele não alteraria o placar. Para um apologista da objetividade como Leite, deveria ser de fundamental importância saber objetivamente como cada um votou. De todo modo, o STF estava decidindo sobre o que é a vida humana, e a racionalidade cientificista de Leite é incapaz de ver que essa não é uma questão de objetividade, que pode ser exposta de maneira sintética. Nem pelos cientistas, nem pelos juristas.