Em comentário ao meu post Bem vindos ao deserto do "petucanismo", o amigo Rodrigo Lopes de Barros Oliveira perguntava se a Lei de Anistia havia sido o gesto final da ditadura brasileira, ou melhor, o seu presente de grego para a "Nova República". Argumentei que, além disso, a própria transição pacífica (eleição indireta de Tancredo/Sarney, a PMDB e (ex-)PFL) não deixava de ser uma marca do regime (cicatriz duradoura: basta ver a recente eleição para a presidência do Senado). Arriscaria ir além e dizer que o verdadeiro golpe de mestre de Golbery - neste sentido, um verdadeiro "gênio da raça" mesmo, como dizia Glauber Rocha, em uma afirmação até hoje não compreendida) - foi, na abertura política, manter o (P)MDB no cenário. Isto não só afastou as reclamações de autoritarismo no processo (que se limitou à farsa da recriação PTB, sigla negada a Brizola e entregue à, esvaziada ideologicamente, Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio), como manteve presente uma força que só tinha sua razão de ser por causa da ditadura. O que espanta na entrevista dada recentemente pelo senador Jarbas Vasconcellos não é o seu conteúdo, mas a celeuma em torno dela, em que chovem frases feitas e nenhuma explicação (a começar do próprio entrevistado): "O PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes
regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos", disse o ex-governador. Os jornalistas e analistas da política partidária ficam repetindo que sabem disso há muito tempo (e que o político deveria dar nome aos bois), como que questionando o PMDB pela falta de uma orientação político-ideológica (ou de um "projeto nacional" como gostam de dizer). O fato é que o PMDB nunca teve, não tem e nunca terá coesão. Ele não se tornou uma confederação de tendências (ou oligarquias), ele já nasce como tal. Ao instituir o bipartidarismo, o regime militar obrigou os seus opositores a cerrar fileiras em um único partido, o MDB. A sua razão (forçada) de ser é esta: se opor ao regime, congregando desde grupos de esquerda mais radical até liberais (e mesmo conservadores que discordavam do modus operandi). O fato é que, encerrada a ditadura, não há mais motivo para se agrupar em torno da "Mobilização Democrática" - e por isso são fundados o PT, o PSDB, o PSB, o PDT, etc. Acatando a sugestão de um amigo, podemos dizer que entre os integrantes do MDB que optam por manter o partido, agregando o "P", ocorre uma "inércia histórica" (que não se observa do lado da direita, que dissolve a ARENA, dando lugar ao PDS, atual PP, e ao PFL). Esta inércia histórica é a marca da nossa transição da ditadura à democracia: a Constituição de 1988 não é acompanhada de um intenso debate e revisão da legislação herdada dos militares, a Lei da Anistia não é questionada, o monopólio das comunicações passa incólume, etc. E o PMDB se torna um fim em si mesmo. Daí o seu deslavado clientelismo:
"derrotado" seu inimigo, todos são seus potenciais aliados. Todavia, ele é o verdadeiro inimigo de todos aqueles que não se acometeram por esta "inércia histórica". Ele é uma marca - desde o seu nome até o seu modus operandi - da ditadura, sua verdadeira "herança maldita".
"Herança Maldita"
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Alexandre Nodari
é doutorando em Teoria Literária (no CPGL/UFSC), sob a orientação de Raúl Antelo; bolsista do CNPq. Desenvolve pesquisa sobre o conceito de censura.
Editor do SOPRO.
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