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Teses sobre a política

por Alexandre Nodari

1) A política é a disputa da imaginação pública
Antes de tudo, é preciso esclarecer que, para o bem ou para o mal, o homem é “o animal que vai ao cinema”. A imaginação, como esclarecem os filósofos árabes medievais na sua releitura de Aristóteles, é aquilo que liga o indivíduo ao intelecto comum à humanidade. Imaginar, portanto, é sempre um ato coletivo, pois remete à potencialidade humana. O homem é aquele que pode ou não fazer - não tem nenhum destino, nenhuma vocação biológica, como assevera Agamben; antes, sofre de um “déficit essencial”, como o caracterizou Oswald de Andrade. A humanidade não tem instintos, a humanidade produz instituições, aquilo que Marx chamou de trabalho - mas o que caracteriza este trabalho é que, antes de ser realizado ele é sempre imaginado. A autoconsciência não é nada mais que a consciência de que se imagina. Sendo uma esfera de saída comum e/ou coletiva, a imaginação sempre foi a trincheira por excelência da política. Representações do outro, auto-representações, projetos, Utopias, símbolos, cerimoniais, nomenclaturas, vocabulário - os exemplos são infinitos e em cada um deles se trava um embate.

2) O Estado sempre foi a hegemonia da mediação da imaginação pública
Se aceitamos tal premissa, isso não quer dizer que possamos concluir que a situação em que certa forma e/ou conteúdo da imaginação pública se torna hegemônica possa ser caracterizada como Estado. Antes, o mais correto seria dizer que o Estado é a concentração da mediação da imaginação pública. Ele não é uma situação da imaginação pública que se estabiliza, mas uma pura forma que permite que qualquer situação se estabilize. Nesse sentido, ele não nasce da concentração da força física e do aparato fiscal - mas do censo e da censura, da medida enquanto parâmetro e ação. Não se trata só de proibição, mas também de informação: o Estado esvazia as formas da imaginação coletiva, substituindo-as por uma pura forma em que garante, antes de tudo, o seu controle, inscrevendo a sua marca, a marca da mediação. Daí a profusão de noções literárias, como a representação, no aparato estatal. Que algo tão recente e an-árquico como o Estado tenha deixado a sua marca como imprescindível à reorganização (e isto quer dizer, re-imaginação) da coletividade fica patente no fato do marxismo prescrever a mediação de um Estado proletário no caminho da sociedade sem classes. Mas a evidência mais clara de que o Estado é a hegemonia da mediação da imaginação pública é a pretensão da imprensa, dos meios de comunicação de serem o “quarto poder”.

3) O quarto poder é hoje o Estado
Se, por muito tempo, o que conhecemos usualmente como Estado possuía a hegemonia da mediação da imaginação pública, mas precisava disputá-la ou negociá-la com outros Estados e formas para-estatais ou quase-estatais como o “quarto poder”, hoje ele não mais possui esta hegemonia - o que quer dizer, que ele não é mais Estado. Antes, o “quarto poder” - não só os mass media, mas o que Guy Debord chamou de “espetáculo integrado” - se independizaram e tomaram para si não só a hegemonia, mas o monopólio da mediação: se converteram no Estado. Das hegemonias, passamos a homogenia. Se o “tipo puro” do Estado não é a hegemonia da mediação da imaginação, mas o seu monopólio, e se a imaginação, sendo comum à humanidade, desconhece fronteiras, não podendo ser mediada territorialmente, então talvez só hoje tenhamos de fato um Estado.


 


é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.