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XXIV - OS GATOS DE ROMA
(Nota para a reconstrução de um mundo perdido)
Imitação e Espelho

A imitação da imagem do semelhante iniciada no período de Defesa Agressiva, um período de desejo de contato com o mundo, surge para compensar a necessidade de companhia e o desamparo do período anterior de Defesa Passiva que era um período de solidão e de esquizofrenia e surge também para iniciar a formação de grupos sociais o que vem a ser, iniciar a criação do Homo Socius. A imitação do semelhante funciona como terapêutica para curar o retraimento solitário e esquizofrênico e para dar ao homem uma imagem companheira.

A imitação da imagem ou do semelhante marca o início do homem que começa a brincar mesmo como acontece com a criança na qual o início dos jogos é também o início da imitação.

Este início do ato de brincar é marcado na evolução do homem pela criação de ídolos e monumentos que constituem o início da escrita e todos estes representando semelhantes como, por exemplo, um pau com cordas; semelhantes que funcionam como o “faz de conta” da criança.

A imitação e os jogos se iniciam na criança com a idade de dois anos, isto é, na idade em que a criança começa a tomar parte nos grupos sociais e a imitação continua se desenvolvendo até a idade escolar de seis anos. Antes de dois anos de idade a criança só tem contato com um semelhante de uma só vez. Observa-se que o processo de evolução social di indivíduo é reproduzido na evolução social da espécie e nota-se que na criança a importante idade social de dois anos corresponde à idade filogenética que marca o início das atividades articuladas, isto é, marca o início do período de Defesa Agressiva.


No período anterior de Defesa Passiva o homem se comporta como a criança antes dos dois anos de idade; ele é retraído e isolado e só inicia contato com um semelhante de uma só vez e esta situação se prolonga até alcançar o período de Defesa Agressiva marcado pela descoberta da sua própria imagem e marcado pelo processo de imitação e pantomima e no qual ele passa a ter contato com dois semelhantes a um tempo e passa a formar grupos sociais.

O primeiro grito a seco do recém-nascido, provocado pelo estímulo da fome, teria um paralelo na manifestação do Monólogo esquizofrênico do período de Defesa Passiva. O primeiro grito é o primeiro monólogo; o monólogo da fome. Até a idade de dois anos os sons emitidos por crianças são quase só monólogos e se tornam diálogos após essa idade que é um marco do início do contato social.

Há um processo de evolução da imitação que antecede a imitação do semelhante e que se da no período de Defesa Passiva. Antes de o homem imitar a sua imagem em pantomima, ele teria imitado no início sons agudos.

O recém-nascido emite um grito agudo como resposta sonora a um estímulo de som agudo e tenta desta maneira imitar a fonte estimulante.

A imitação do som na criança se manifesta anterior à imitação do movimento, o que leva a crer que o som teria aparecido antes do movimento, na evolução do homem.

O som agudo é o primeiro som a ser imitado pela criança recém-nascida e este importante acontecimento marcaria o início do medo, um medo que só viria a desaparecer com a idade escolar de seis anos que é precisamente a idade em que termina o processo de imitação pantomímica. Medo e imitação se iniciam juntos e terminam juntos com medo e imitação pantomímica.

Esta primeira tentativa de imitação são os primeiros vestígios do futuro Diálogo em si uma manifestação articulada que aparecerá no início do período de Defesa Agressiva e este é uma conseqüência da Descoberta da Imagem.

O efeito de espelho traz a noção de diálogo. O Diálogo em essência, uma forma de imitação, na sua fase inicial se apresenta como o eco ou uma repetição do semelhante.

Os homens do período de Defesa Passiva não dialogavam, praticavam só o monólogo introvertido e esquizofrênico; um monólogo parecido com o da criança antes de dois anos de idade.

Após a simples imitação do som agudo, a criança com dois meses de idade começa a imitar o som agudo simultaneamente com movimentos. Com trinta semanas de idade as observações de Gesell mostram que pernas e braços se encolhem em V e os dedos dos pés e mãos se esticam em leque e acompanham o grito agudo. Essas atitudes constituem na evolução do homem, posições bem típicas que traduzem o Medo que dominava o período de Defesa Passiva e essas posições são manifestações motoras de fuga.

As atitudes de fuga com grito a seco, trágicos monólogos da vida no começo onde o Medo é a dominante, se prolongam até o ponto de Descoberta da Imagem ou o início da Defesa agressiva, porém o Medo continua até alcançar o fim da Imitação e este fim é nossos dias e corresponde na criança à idade escolar de seis anos. Efetivamente o período de imitação pantomímica decorrente da contemplação da Imagem, iniciado na criança aos dois anos de idade, momento em que ela consegue ter contato social com dois de seus pares ao mesmo tempo, termina aos seis anos. Nessa idade termina também a essência do medo. O fim da imitação pantomímica é o fim do medo.

Em seguida ao grito seco com movimentos com movimentos de fuga, sobrevém com um ano de idade, a descoberta e o início do manejo de materiais, o que na evolução do homem corresponde às formações do Homo Faber, sempre ainda dentro do período de Defesa Passiva.

Nesse período de manejo de materiais iniciado com um ano de idade e que se prolonga até a idade de dois anos, as ordens positivas são compreendidas e obedecidas pela criança. Klein observa que as ordens negativas (proibições) só começam a produzir reações na criança a partir de dois anos e começam a ser obedecidas a partir de três anos. Dois anos é a idade do início da pantomima imitativa.

Transportando esta situação para a escala evolutiva do homem temos o esquizofrênico retraído obedecendo a ordens positivas e com esta obediência construindo o Homo Faber, isto até o fim da Defesa Passiva e temos logo em seguida, com o início da Defesa Agressiva, os primeiros Tabus, imagens na escala do tempo do tipo de Ordens Negativas, imagens da Pantomima produzidas pelo efeito de espelho e criadoras do Homo Socius.


Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 30 de junho de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.