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XXV - Notas para a reconstrução de um mundo perdido
A imagem do chefe no espelho

Tanto no mundo ontogênico da criança como no mundo filogenético da espécie humana o conceito de chefe se inicia juntamente com o início da linguagem articulada que é o início da cultura. Este importante momento marca o começo do período de Defesa Agressiva que é o começo da Pantomina e da Descoberta da Imagem do homem pelo próprio homem. Na vida da criança é a idade de dois anos enquanto que na filogenia estaria situado no momento em que o homem tem os seus dons de Homo Faber totalmente desenvolvidos, momento em que ele se utiliza com perfeição de pedaços de pedra e madeira talhados para a sua atuação, momento determinado pelas descobertas arqueAlógicas, etnológicas e antropológicas em aproximadamente um e meio milhões de anos atrás da nossa época. Saindo da esquizofrenia da Defesa Passiva, um período de introspecção e inação, de desordem e de inabilidade no contato com o mundo um período não-conformista e que resultava na fuga e no esconderijo, o homem criava um elemento humano, o chefe, que era precisamente o oposto do homem do período esquizofrênico. O chefe tinha iniciativa, habilidade organizadora e conformidade com as tendências essenciais do grupo e sabia empolgar com a sua pantomima e com seu bailado. Contudo este chefe retém em atividades as suas forças telúricas; ele é o bailarino criador do movimento e há um tempo é aquele seguido pelo bando e que tem a sua inspiração provocada por formas do mundo do sonho; ordens antigas que aquecem a nébula da vida. Ele contrasta com o Homo Socius que começava a surgir e que, em virtude da imitação, era um ser extremamente moral. Só o chefe podia ser amoral, podia ser o guia e o líder, com novos movimentos, o sonhador que extraia do sonho o seu leitmotiv.


As vocalizações fonêmicas e os movimentos kinesicos haviam desaparecido e o chefe oferece ao mundo o modelo para a Pantomima e este modelo é o primeiro contato intensivo do homem com o ambiente, é a primeira carícia do homem sobre o mundo em redor e que forçosamente só aparece após o abandono da imagem do Homem-árvore. É um período no qual o exercício da pantomima e a imitação do Semelhante desenvolvem as emoções. Imitação e pantomima desabrocham mais as emoções do que as idéias.

A Imagem do Chefe no Espelho torna-se um convite à adaptação social por ser um convite à imitação. A imitação não é um conceito explicativo, mas sim um conceito descritivo e pantomímico que reproduz no início os movimentos para a luta, tais como o bocejo, o riso, a corrida. A ação proveniente do fenômeno de imitação é sempre anterior a qualquer ideia de justificativa e de raciocínio.

Formação social é imitação e a Descoberta da Imagem é o início do condicionamento do indivíduo numa certa direção.

Não é tanto a exigência das condições uniformes exteriores do mundo que leva o homem a repetir um processo, mas sim a Descoberta da Imagem e da condição de Semelhante que o conduzirá rumo à luta na vida: um repetindo em espelho os movimentos do outro.

O homem que enfrenta o seu semelhante reproduz os mesmos gestos do semelhante e se comporta como o homem que enfrenta a sua imagem refletida no espelho ou na água. O homem atual, que nem sempre é possuidor de imaginação, quando deseja saber o que deve fazer, consulta o Espelho que lhe dirá que a imagem a ser seguida é a conduta do seu adversário que se encontra refletido no espelho.

Sem imitação não há chefe porque não há desejo de brincar. Os homens do período esquizofrênico de Defesa Passiva não brincavam e por esse motivo não tinham chefes. As tendências esquizofrênicas são contrárias aos atributos que caracterizam os chefes.

Disfarçados em árvores e em animais os homens não imitavam uns aos outros porque não conheciam as suas imagens escondidas no disfarce.

No importante momento pantomímico em que o homem começa a brincar e a exercer jogos, ele elege um chefe e esse momento é o início da Defesa Agressiva. Todo o brinquedo ou jogo tem um chefe e a imaginação do chefe é viva e excitável como a da criança. O mesmo acontece com a criança, quando na idade de dois anos, idade em que ela começa a brincar, um chefe é eleito.

As experiências de Reininger com crianças mostram que as moças de hierarquia se iniciam com a idade de dois anos e se desenvolvem sempre aumentando até a idade de dez anos. As noções de hierarquia nascem do ato de brincar e da seleção do chefe tanto na evolução da criança como na evolução da espécie humana. O habitante esquizofrênico do período da Defesa Passiva que não brincava e não tinha chefe, não tinha noções de hierarquia. A formação hierárquica torna-se desta maneira uma conseqüência da Descoberta da Imagem e surge correlatamente com o primeiro Diálogo como imposição da existência dessa Imagem. Falar com a sua imagem, romper o silêncio das forças antigas é o primeiro ato da sabedoria do homem, é o primeiro Diálogo. No começo do homem do período de Defesa Agressiva, como na criança de dois anos, momento em que o homem e a criança entram em contato com mais de um de seus pares ao mesmo tempo, o diálogo é atributo exclusivo do Chefe e só pode ser provocado pelo Chefe.

A Imagem do Chefe no Espelho é a fonte inspiradora de todo o período de Defesa Agressiva e é a força gregária do Homo Socius. A cultura com o seu gregarismo e a civilização com a sua Visão Geográfica devem existência ao aparecimento dessa Imagem. A supressão de tão importante imagem traria graves transtornos ao homem estereotipado.


Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 7 de julho de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.