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XXVII - Notas para a reconstrução de um mundo perdido
O pânico, o aplauso e o chefe



O advento do chefe trouxe o advento da imitação coletiva nas suas duas formas básicas, o pânico coletivo e o aplauso.

O pânico coletivo e o aplauso no início são manifestações de Ódio e tem como modelo fundamental o Chefe. O espetáculo aplaudido contem as tendências do chefe; isto é, as tendências dignas de serem imitadas pelo adversário e por conseguinte aprovadas e aplaudidas e são tendências que colocam os espectadores em estado de segurança. O pânico coletivo é provocado pela imitação de um ser isolado em estado de pânico. Este ser isolado funciona como chefe a ser imitado.

Quando este ser isolado se manifestava, por meio de gritos e agitação dos membros, em estado de pânico, durante o período esquizofrênico de Defesa Passiva esta manifestação era uma manifestação de Medo, porém quando o ser deixa de ser isolado deixa de ser um indivíduo e pela Descoberta da Imagem ao ingressar no período de Defesa Agressiva, entra em contato com o seus pares, a manifestação passa a ser uma manifestação de Ódio; é quando ela se torna coletiva. Durante todo o período de Defesa Passiva o pânico só é individual. A descoberta do semelhante e o aparecimento do uso do Diálogo transformam o pânico individual em pânico coletivo. O pânico coletivo e o aplauso iniciados com o período de Defesa Agressiva são portanto manifestações de Ódio.

Essa entrada triunfal no período de Defesa Agressiva é de extrema importância, pois marca o momento dramático em que o homem pronuncia as primeiras consoantes, momento em que ele se encontra em estado de Ódio e por conseguinte se encontra apropriadamente apto a iniciar o contato com os seus pares e a produzir os fenômenos de pânico coletivo e de aplauso.

As consoantes são formadas com o fechamento da boca e a obstrução das passagens vocais e o aparecimento da primeira consoante é uma manifestação de um estado de satisfação proveniente do Ódio e deve ser considerada como o início do Diálogo em virtude do contato com o semelhante e da Descoberta da Imagem. O homem já havia saído do solitário Monólogo da Fome no qual ele se apresentava de boca aberta e agora em estado de Ódio e deve ser considerada como o início do Diálogo em virtude do contato com o semelhante e da Descoberta da Imagem. O homem já havia saído do solitário Monólogo da Fome no qual ele se apresentava de boca aberta e agora em estado de Ódio e se apresentando de boca fechada, já começava ele a imitar o seu semelhante.

O homem de boca aberta era o homem isolado que proferia o Monólogo da Fome durante o período de Medo e de esquizofrenia da Defesa Passiva, e se identifica com o período de Balbucio da criança até dois anos de idade, e no qual a criança se apresenta ao mundo de boca aberta e com fome, enquanto que o homem de boca fechada é um ser que iniciava o Diálogo como consequência do uso das primeiras consoantes e outras atividades articuladas e do contato com os seus pares e, colocado dentro do Ódio da Defesa Agressiva, se identifica com o início da imitação e da linguagem articulada na criança aos dois anos de idade e que se estende até a idade escolar.

O homem de boca aberta e o homem de boca fechada são dois tipos bem definidos que representam duas épocas distintas na evolução do homem e o ato de fechar a boca, provocado pela descoberta do semelhante, marca o início das consoantes na linguagem e o início do pânico coletivo e do aplauso.

As manifestações dinâmicas do pânico coletivo e do aplauso são as mesmas e são elas as manifestações dinâmicas do Ódio e da Alegria e se compõe de agitação crepuscular dos membros, batidas de mãos e pés, gritos estridentes. São manifestações encontradas na aprovação do espectador no teatro, na ação depredadora dos bandos juvenis e adultos no pânico obtido pelo estouro de uma boiada ou pelo estouro de um bando de homens. São os processos de imitação a um chefe.

O aplauso do espectador no teatro, basicamente um sentimento de Ódio, acontece como meio de defesa de si próprio. O espectador se identifica com os personagens no palco e sofre e vibra com estes exibindo o Ódio ou o aplauso aparece como apreciação dos personagens e são estes os próprios espectadores. A batida de mãos e pés são manifestações rítmicas primitivas que visavam no seu início produzir sons para romper o grande Silêncio e a Tristeza. São reversões a um período de insegurança quando os pontos de apoio são suprimidos. O fenômeno é observado na criança nova, quando pontos de apoio são suprimidos ou aplicados bruscamente.

Ódio e Alegria que se manifestam, pantomimicamente por imitação, com as mesmas expressões faciais e com os mesmos movimentos tanto no pânico coletivo como no aplauso, tem origem comum nas atitudes isoladas de Medo no período esquizofrênico de Defesa Passiva.

As reações dos estímulos de Medo e Ódio estão na base de toda a imitação. A imitação coletiva torna-se uma repetição em cadeia do Medo e do Ódio, tendo como forma reversiva o Medo. O Ódio torna-se desta maneira a solda psicológica da sociedade e aparece com o advento da imitação que é um fenômeno coletivo. Cultura significa repetição e imitação pelo Ódio. Moral e Consciência são produtos adquiridos pela imitação. O homem moral é aquele que imita o chefe ou os preceitos do chefe abstrato estabelecidos na sociedade. O homem consciente é aquele que tem capacidade e habilidade de repetição. A imitação da moda ou a adoção de um modelo-prestígio, um fenômeno sempre coletivo e gregário, é também proveniente do medo da depreciação pelo ataque e do ódio para a luta que tem o depreciado em se encontrar em situação inferior.

O pânico isolado individua e sem imitação contrastando com o pânico coletivo com imitação aparece como sentimento de Medo, primeiro na repetição do som estridente extra-humano e posteriormente passa para a tempestade de movimentos. O som se encontra antes do movimento.

O primeiro grito alto da criança repete um estímulo idêntico e precede os movimentos tempestuosos.

Entre os estímulos que produzem insegurança e que provocam o aparecimento do Chefe a ser imitado no momento do pânico coletivo, o som agudo estridente e curto é o mais importante e possivelmente o mais antigo.

       


Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 21 de julho de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.