outros números

resenhas

dicionário crítico
(verbetes)

seção arquivo

informativo

contato
(e colaborações)




V - OS GATOS DE ROMA
As forças fundamentais do Destino Histórico


O tenaz e taciturno Bergson, o homem sem sorriso, que poderia perfeitamente ser colocado em cima dos Andes, via na sugestibilidade iconográfica representações religiosas destinadas a defender-nos contra os empreendimentos dissolventes da inteligência. Bergson, em muitos aspectos, era um ser mono- dissolventes da inteligência. Bergson, em muitos aspectos, era um ser mono-[*] rior os escrúpulos morais e uma genialidade pertencentes mais à raça nórdica do que a sua própria raça.

O Barroco, contudo, aparece na História, não como meio de defesa, mas sim para, sugestiva e magicamente, precipitar certos acontecimentos que felizmente são manifestações dissolventes da inteligência e que culminam com a Revolução Francesa. O Barroco, uma representação religiosa, colabora com as forças dissolventes da inteligência, contrariando o pensamento de Bergson. O Barroco, nascido em Roma, no séc. XVI, surge no fim da decadência do Império Romano Cristão, que se deu nos sécs. XII e XIII. Deve, pois, o Barroco ser considerado como um dos primeiros sintomas do início da decadência do cristianismo e como uma conseqüência do Império Romano Cristão, mesmo como Império Vermelho o é.

São vários os sintomas que marcam a decadência do cristianismo e que apontam para a Revolução Francesa que se aproxima e que em si é uma manifestação anti-cristã. Destacam-se entre os sintomas: as revoluções camponesas comunistas da Alemanha nos sécs. XII e XIII, concomitantemente com a decadência total do Império Romano Cristão; o aparecimento do Barroco no sec. XVI; o aparecimento da moda espanhola do colarinho em forma de prato, em fins do séc. XVI, separando a cabeça do corpo e apontando magicamente para o trágico futuro funcionamento da guilhotina. O Barroco que contém nas suas formas voluptuosas a satisfação de todos os prazeres e que em si é um limite de volúpia, aparece na iconografia cristã num momento máximo de asceticismo religioso, asceticismo esse que sem dúvida se manifesta como uma forma de expiação pelas perdas sofridas com a decadência do Império Romano.

Bernini e Boromini aparecem como dois nomes apontados pelas forças do Destino da História e que viriam alterar completamente o panorama cultural do mundo.

O Barroco aparece no momento de maior luxúria, que era também o momento de maior miséria, ele é um cume do desenvolvimento das forças de miséria e luxúria que conduziram a seguir ao conflito social e à Revolução Francesa. O fato do Barroco, um transbordamento luxuriante de volúpia, surgir simultaneamente com o período de manifestação máxima de asceticismo religioso é da maior importância. As forças masoquistas alcançavam o seu apogeu no ambiente de maior luxuria e volúpia; a antítese luxúria era, portanto, o meio de cultura apropriado à vida e ao desenvolvimento do masoquismo e do asceticismo, o espetáculo da luxúria se apresenta como aquele capaz de provocar o asceticismo e os tempos adornavam com formas luxuriantes para abrigar os sentimentos mais castos da religião.

Essa manifestação de asceticismo tinha que ser o fim de um ciclo, porque surge como um ponto de expiação máxima, um momento dramático de abandono e submissão que precede a morte tinha que ser um período de agonia que se abrigava submisso e taciturno num túmulo encantado cheio de vida de visgo e de sexo e para todo o sempre. O aparecimento do Barroco na extravagante Grande Finale Rococó funcionava como um De Profundis plástico magnificamente aparelhado para abrigar os restos mortais de uma religião. O espetáculo dourado de sofrimento, expiação e morte, uma eclosão das forças masoquistas, são os sintomas teatrais do fim próximo.

Kretschmer, sugestivamente, aponta a preferência para a localização do Barroco nas regiões habitadas pelas raças alpinas e mediterrâneas e vê nesse fenômeno um caráter de tendência biológica onde o temperamento dominante ciclotímico pícnico dessas raças seria, de um modo geral tomando-se em conta as exceções, o temperamento apropriado à localização do Barroco.

É estranho notar que o Barroco, evoluindo do centro do Império Romano Cristão e caminhando rumo ao norte da península, não tinha outra alternativa senão a de esbarrar com as raças alpinas e mediterrâneas que fechavam o norte da península, e por esse e outros motivos podemos sugerir, em contradição a Kretschmer, que o Barroco não procurou um temperamento adequado para se alojar, mas sim, temos o fenômeno seguinte: o Barroco, produzindo um temperamento típico de acordo com a sua estrutura histórica, da mesma maneira que o Gótico, gerado na Normandia e na Borgonha, teria provocado o aparecimento de um temperamento esquizotímico nas raças nórdicas, em cujo território se instalou.

Isto equivale a classificar o Barroco e o Gótico como forças fundamentais da História guiadas pelo Destino Histórico e capazes de produzir temperamentos de acordo com a sua morfologia estética e com o seu poder de sugestibilidade.

O encontro de temperamentos esquizotímicos e ciclotímicos em locais onde não há e nem houve Gótico ou Barroco, teria que ser explicado pelas formas da vegetação e da paisagem que se identificam com o Gótico e com o Barroco.

A paisagem e a vegetação se encontram antes da morfologia racial do homem antes da formação do seu temperamento.


Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 3 de fevereiro de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera


[*] Nota dos editores: Como se percebe, o trecho em negrito é uma repetição. Provavelmente, houve um erro de tipografia no jornal, com a duplicação de uma linha, e a conseqüente omissão de outra.



<< IV: Os Cesares do Império Vermelho Índice das Notas VI: O culto do herói, o gótico e o barroco >>


Textos anteriores:

Desenvolvimento econômico e reenvolvimento
cosmopolítico: da necessidade extensiva à
suficiência intensiva


Notas para a reconstrução de um mundo perdido (IV):
Os Cesares do Império Vermelho




Edicão integral:
HTML | PDF

 


é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.