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  Desterro, Fevereiro/2013 | Editores: José Linck e Carla Alimena
  Editorial: Alexandre Pandolfo, Carla Alimena, José Linck, Manuela Mattos, Marcelo Mayora, Mariana Garcia, Moysés Pinto Neto.

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  • Sobre Homens-Gordos, Homens-Elefantes e Não-Mulheres
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Então são loucos?

Mas por que jovens em uma praça me incomodariam? Por que sua alegria me incomodaria? O que me causa desconforto em saber que jovens e adultos parecidos comigo bebem cerveja na calçada? Eu não os conheço. Eu não moro ali. E certamente não é com medo da confusão, medo de que se misturem comigo na leitura social. Eu consigo ver suas preferências estéticas e certamente não são as minhas. Isso eu posso perceber. Estou sempre limpo. Quer dizer... Seria possível não se importar, negando a legitimidade pela indiferença, mas não... Incomoda, inquieta, preciso dizer alguma coisa, não é possível  compreender. Devem ser coisas de crianças ou loucos. Coisas de vagabundo, coisas de maconheiro, coisas de adolescente. De bixa. Talvez seja mais barato e não possam pagar. Na cidade baixa? Perto do centro?! Mas não é degradado? Pobre? Pessoas pobres!! Não tem criminosos? Homossexuais!!  Como em todo lugar? Existem homossexuais em todo lugar?!  Então deve ter drogas! Homossexuais e drogas!! Homossexuais drogados!!! Não? Mas não é na praça? Aquela coisa toda da natureza misteriosa, escuridão e medo do escuro. Medo do escuro na praça, medo de não saber. Noite escura. Bruxas. Pessoas do mal. Escuras. Negras. Sujas. Bandidos do mal. Escuros. Negros. Bandidos Negros! Deve ter bandidos negros!! Não? Não tem bandidos negros? São brancos? Já sei, bandidos brancos! Mas bandidos podem ser brancos? Não?!Como assim não há bandidos? Não contamina e não há bandidos?! Mas é sujo? É sujo, mas dá pra ficar?! Mas não tem lugar limpo? Pra que serve o lago? Pra nada? Então por que não tiram?! E os bêbados? Não podem me agredir? Me envolver numa briga? Os seguranças são suficientes? Não tem seguranças?! Mas nenhum segurança? Quais pessoas? As pessoas da praça?! Por que elas me ajudariam? Mas eu tenho que ajudar?! Não precisa? Ajuda quem quer? Mas quem quer ajudar?!  Ah, não tem violência? Mas e se tiver? Como em todo lugar? Mas não tem violência em todo lugar?! Não? Não precisa ter medo? Medo de quê? Terça é melhor por quê? E por que as pessoas vão? Por nada?!  O que tem na terça? Como assim, nada? Mas por que as pessoas vão na terça? Por nada? Por nada?!  Então são jovens! Crianças não têm medo de nada!! Não são Crianças?! Crianças pobres? Pobres crianças negras! Pobres crianças negras abandonadas!! Rejeitadas!!! Menores abandonados!!! Não? Não é perigoso? Não é perigoso para as mulheres? Tem várias mulheres? Mulheres na praça?! Então são putas? Mulheres prostitutas na praça! Prostitutas pobres na praça!! Praças de prostituição!!! Então, por que não?  Não?! Não são prostitutas? Por que tem mulheres, então? Que horas fecha? Não fecha?! Podemos ir pra outro lugar depois? Ficar lá? Mas não fecha?! Ah, ficar na praça? Mas quem cuida quando fecha? Ninguém cuida?! Todo mundo cuida? Mas moram lá? Então por que cuidam?! Quem paga? Ninguém paga? Por que não pagam?! Não tem dinheiro?! São pobres! Pobres negros!! Pobres negros bandidos!! Mendigos!!! Não?

Então são loucos.



Eles não querem mais aventuras, só futricar na velha estufa, aquecer a velha cama, críquete no inverno, sonolência de folha morta em jardim seco na casa geminada aos domingos. Se vier o admirável mundo novo de lambuja, bem, certamente haverá tempo para se adaptar a ele... Mas esta semana querem o luxo de quase pós-guerra de comprar um trem elétrico para o filho, tentando desse modo obter para uso próprio um conjunto de rostinhos sorridentes, calibrando sua estranheza, fotografias tão conhecidas agora ganhando vida, ahs e ohs mas não ainda... (Thomas Pynchon, O arco-íris da gravidade, p. 141).

J. falou no megafone. Era do tipo policial. Mas deste não saiu a sua voz. Através do megafone irradiou luz. Ela ficou, no entanto, retida no megafone, presa, iluminando-o internamente. Abafada.

J. falou ao megafone aos seus subordinados. Era um daqueles aqueles falantes impositivos que os policiais botam na boca. Saiu voz pelo lado oposto ao qual J. empregou a sua fala. Não houve surpresa.

J. falou ao megafone para  os seus subordinados. Utilizou o mesmo megafone e a mesma imposição dos ombros. Saiu voz pelo lado oposto em que ele enfiou a boca. Não eram gritos de ópera, e se voltavam à guerra. Gritos operários.

J. falou ao megafone perante os seus subordinados, o que acontecia todos os dias, ao pôr-do-Sol, às 18 horas, 18 e 15, e 16 e 25. Utilizou o ainda jovem megafone. O primo comprara recém; em guerra morrera. Herdou com pouco mais de dois anos de uso. Encaixou perfeitamente o megafone na boca. E do lado oposto estremecia a realidade dada aos seus olhos: empunhava o coronel poderosamente os brados da vitória.

J. falou aos seus subordinados. Do megafone não se ouvia nada. Mas a boca estava no mesmo lugar de sempre. Corria no instrumento uma luminosidade solar; e na ponta incandescia fraco.



Texto e foto de Alexandre Pandolfo

     


Sobre Homens-Gordos, Homens-Elefantes e Não-Mulheres

“O dia que a barriga virar moda realmente vai ser fogo pra poder me aturar. Ninguém vai resistir aos meus encantos e a TV do Silvio Santos vai querer me contratar”
João Nogueira

“Recreio” da aula de filosofia. Café, café, café! 

Dois colegas magros comentavam sobre um vídeo muito engraçado que viram no youtube, onde um homem-obeso se vestia de Homem-Aranha e animava uma festa infantil. Gargalhavam. Foi então que apareceu o Homem-Elefante e todos ficaram em silêncio. Sr. John Merrick (que os mira na foto) pediu um café e sentou-se ao lado dos homens-magros-apavorados olhando-para-baixo-sem-conseguir-olhar-para-baixo-fingindo-cordialidade.

O Homem-Elefante nos contou sobre sua vida no circo e das pessoas que vinham de longe para vê-lo preso numa jaula. Seu chefe coordenava o show em que ele sentava, pulava e fingia de morto. As mulheres berravam de desespero quando viam a sua feiura. Os homens gargalhavam. Por vezes, ele era alugado para recreação. Explicou: pega-se o Homem-Elefante e coloca-se nele uma fantasia de Homem-Aranha e se ordena a ele que dance. Feito isso, é só relaxar e gargalhar. Terminado o relato, os homens magros começaram a inchar feito balões até que explodiram uma gordura vermelha de vergonha. O gordo é hoje o Homem-Elefante de Lynch. O gordo é a aberração “pós-moderna”. O gordo é comicamente ridículo. O gordo é tão gordo que não deve sentir a crueldade gorda. O gordo é o único culpado por sua desgraça. O gordo representa aquele que leva no corpo estampada a marca do seu “descontrole” inescondível. O gordo é “deformado” pelo seu prazer-dor. O gordo é o cara que não se importa. O gordo é o cara que merece a risada constante. O gordo é feito para fazer rir.

Um dos homens-magros, depois de recomposto da explosão, olha para mim e diz: Uma das cem vantagens de ser homem é que mulher gorda não tem vida sexual.

Neste momento, mulheres obesas despencaram do teto em cima da cabeça deles, esmagando mentes e falos.






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