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XXXI - Notas para a reconstrução de um mundo perdido
Nas portas do país do sonho



A apreciação pelo homem da sua própria imagem por meio de meditação e carícia, constitui após a Descoberta da Imagem e o início do Ódio, o fenômeno psicológico mais marcante da sua existência de começo.

O Ódio despertado pela descoberta do Semelhante teria marcado a dinâmica da luta como sendo uma manifestação de carícias aplicadas sobre a imagem do Semelhante ou verdadeiramente sobre a própria imagem do homem.

Semelhante manifestação de carícias conduzia a um fenômeno-tipo denominado Narcisismo, fenômeno este que, por ser importante e biologicamente fundamental, se perpetuaria em todos os tempos até hoje.

As carícias-luta se processam e atuam sobre seres equipotenciais, ou melhor, sobre seres com capacidade de devolver e reproduzir os mesmos movimentos do ser atuante e, por conseguinte, seres do mesmo sexo.

O fato da aplicação das carícias-luta se processar sobre um indivíduo do mesmo sexo ou sobre um semelhante equipotencial, conduz ao fenômeno generalizado denominado homossexualismo.

A Imitação e a entrada na Luta torna-se, pois, um fenômeno homossexual e deve ser filogeneticamente localizada num período antigo, onde o fenômeno de imitação ter-se-ia originado. Este período é o período de Defesa Agressiva, cujo início é o início das atividades articuladas: a palavra, a marcha, a escrita. O homossexualismo seria, pois, um fenômeno de Regressão ontogênica e de Reversão filogênica. Ontologicamente, regressa à idade escolar de seis anos, onde os dois sexos se apresentam quase iguais e filogeneticamente reverte ao início do período de Defesa Agressiva situado, seria lá um e meio milhões de anos atrás, momento teórico em que o homem começa a ser Homo Faber.

Todos os casos de homossexualismo indicam uma preocupação intensa com a opinião alheia sobre a sua pessoa. Isto é: a importância da sua imagem social, altamente exagerada e mórbida, conduz o homossexual ao narcisismo. O homossexual procura sempre criar uma Dupla Personalidade durante a evolução da sua organização psíquica mórbida e com frequência essa Dupla Personalidade é representada pela “entourrage” que funciona como um adversário natural, como um inimigo e como um semelhante. Esta criação de Dupla Personalidade é um fato importante porque situa o início do homossexualismo no início da formação da Dupla Personalidade, isto é, no momento em que se opera a Descoberta da Imagem, no início do Ódio e da Luta e no momento em que o homem se torna um animal gregário.

Contudo, esta Dupla Personalidade gerada no fim do período do Medo e logo após a extinção do Monólogo da Fome, gerada com o início do Diálogo e das consoantes, é em si a primeira apresentação da Alma do homem.

O conceito de alma, um desejo de perpetuar a personalidade, prodigalizada com cuidados esmerados e tratos delicados, é uma manifestação homossexual.

A noção de uma alma que se desprende do corpo, um desejo existente em todas as épocas, após o início da Defesa Agressiva, é apenas a noção de um ser privilegiadamente purificado, o próprio homem e que aparece evoluído no fim da vida, pronto para rumar para o País dos Sonhos teorizado por Homero. O ambiente, o nível de vida oferecidos pelo País dos Sonhos, são anormais e os próprios habitantes do País dos Sonhos são também anormais. Os anjos se apresentam como seres sem sexo e seriam o produto final do homossexualismo.

A alma pura, que na etnografia aparece como uma imagem refletida na água, conquanto evoluída, é uma coisa anormal, um fenômeno narcisista no qual o homem acaricia a sua própria imagem como uma coisa sexualmente desejável e se apresenta como um fenômeno homossexual ou uma volta a um período infantil, no qual não há quase diferença entre os dois sexos. A alma pura do País dos Sonhos é uma entidade homossexual. O período da alma pura e sem sexo seria representativo de um estado Púbere da humanidade. Quando Narcisus considerava a sua imagem na água como sendo uma reprodução da sua irmã que com ele muito se parecia, ele reproduzia um período Púbere da humanidade e reproduzia o desejo homossexual que tem o homem de possuir uma alma. O Narciso hermafrodita, encontrado na lenda grega, seria ainda assim uma expressão desse desejo de autossuficiência e de uma situação social encontrada no País dos Sonhos.

Há por toda a parte, na literatura e nas observações psicológicas, uma associação bem definida entre os conceitos de Alma, de Dupla Personalidade e de homossexualismo. Dostoievski, no seu conto sobre a Dupla Personalidade, apresenta esta como um homossexual.


É, pois, pelo processo de imitação e de Ódio que a Dupla Personalidade e a alma são formadas no fim do período de Defesa Passiva. A imitação e o efeito de espelho afetam profundamente o homem, tornando-o um animal essencialmente narcisista.

Observa-se, a esse propósito, que, na Imitação de Cristo, a alma abdica a todas as suas predileções e características sexuais e se transforma em coisa neutra e sem sexo definido.



Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 1o de setembro de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.