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XXXIII - Notas para a reconstrução de um mundo perdido
Dentro do país do sonho



Os dois interesses do homem[,] o ser vivo e o ser morto[,] se traduzem respectivamente na Personalidade e na Dupla Personalidade. A Dupla Personalidade ou a Alma só começa a aparecer no momento em que a personalidade é criada pelo processo de imitação, no momento em que a Personalidade inicia a sua carreira de Ódio e é neste momento que o homem se apresenta ao mundo como um necrófilo, como o grande amoroso dos cadáveres do passado.

A predisposição patológica, encontrada em todos nós em maior ou menor grau, faz com que o homem, utilizando-se desta tendência necrófila, desenterre a sua Dupla Personalidade do passado antigo e é esta sempre uma entidade apropriadamente mórbida e em virtude da sua natureza plástica (plástica por ser mórbida) é perfeitamente capaz de reproduzir por imitação os gestos do homem atual. E não pode ser de outra maneira, pois essa Dupla Personalidade mórbida antiga havia plasmado a origem de todos os gestos do homem.

Este processo de imitação da Dupla Personalidade com conseqüente criação da Alma no início do Ódio é o começo de uma necessidade homossexual que se desabrocha, se desenvolve e culmina realizando-se dentro do início de uma Idade Púbere, período que imediatamente precede à puberdade.

O homossexualismo se apresenta como uma conseqüência do narcisismo contido no fenômeno de imitação, como conseqüência do estado paranóico de supervalorização do Eu e da necessidade religiosa de criar a Dupla Personalidade (Alma), para funcionar como ponto de apoio e segurança do ser, em estado de morbidez, em viagem pela vida.

Este material mórbido trazido e apresentado pela entidade homossexual Dupla Personalidade e proveniente do período do medo, anterior ao Ódio[,] contém na sua estrutura os elementos produtores das anomalias sexuais.

As anomalias sexuais, na tona da consciência, como conseqüência de um estado de Luta existente entre a Personalidade estereotipada e a Dupla Personalidade do passado antigo e são sintomas de um estado patológico que caracteriza esse mundo antigo.

Esse estado patológico do mundo antigo do Medo é encontrado como sobrevivências no mundo de hoje.

Krafft Ebing observa que, nos casos de atraso mental, de alienação, de manifestações brutais, epilepsia, há uma manifestação periódica violenta do instinto sexual. A paranóia latente, prestes a se manifestar, é considerada uma predisposição ao Narcisismo (Freud-Rank).

Paul Serieux, em 1888, sustentava que as anomalias sexuais são sintomas de estados patológicos diversos, tais como degenerescência mental, mania, melancolia, histeria, epilepsia, delírios sistematizados, paralisia geral, demência senil.

Os estados patológicos sugeridos por Serieux como produtos de anomalias sexuais e as observações de Ebing indicam que os referidos estados, cousas que precediam a sobrevivência, anomalia sexual, formam uma representação do quadro social de um mundo antigo anterior e que seria o mundo do Medo que antecedeu o início do Ódio.

Por conseguinte, o importante País do Sonho, onde reside a Dupla Personalidade[,] é uma estrutura quimérica, situada na realidade do passado, de um passado que contém toda a dinâmica dos estados patológicos e que contém os próprios estados patológicos.

É a anomalia sexual que transforma o homem num ser religioso, conduzindo-o na direção do seu berço num período recuado e esquecido, conduzindo-o rumo ao País do Sonho, que seria uma representação simbólica do próprio período do Medo. O refúgio na religião é comum entre os homossexuais.

A entidade homossexual Alma ou Dupla Personalidade seria uma primeira manifestação do homossexualismo e que aparece como conseqüência da descoberta da imagem do semelhante.

O aparecimento desta primeira manifestação de homossexualismo, a criação da ideia de Alma, processando-se em certo [ponto] definido da evolução do homem, concede a este ponto uma importância especial. Seria um ponto de saturação paranóica situada no início do Ódio ou um Ponto Paranoico onde a autoestimação do Eu alcançaria um limite e que teria como espetáculo as tranquilas imagens dos dois sexos no período que antecede a puberdade. O Ponto Paranóico representaria o início da Idade Púbere e o momento em que a imagem do homem se confunde com a imagem da mulher. Este Ponto Paranóico aparece periodicamente na evolução do homem e na sua história como uma anomalia sexual e esta é uma representação em imagens de uma Idade Púbere.

Ontogenicamente o homem possui duas Idades Púbere[s]: uma, que se processa entre a idade escolar e doze anos e a outra que aparece no fim da vida. A Idade Púbere trazida pelo fim da vida é corroborada pela observação que à medida que o homem envelhece ele adquire uma tendência ao homossexualismo e adquire desejos de entrar no País do Sonho; o homossexualismo apresentando-se como uma função antecipante a fim de evitar a morte. É uma substituição da ideia de sexo oposto pela idéia de sexo igual, momento em que o homossexualismo é uma tendência de se integrar com o abstrato Reino do Céu e com os seus habitantes assexuados e etéreos.

Luiz XIV, em Idade Púbere (período que antecede a puberdade), período onde os dois sexos se assemelham, bailava tanto vestido de homem como de mulher. A sua Dupla Personalidade, a sua Alma se manifestava. Joana D’Arc[,] envergando roupas de homem e ouvindo com carinho a voz do Senhor, exibia o homossexualismo.

Filogeneticamente, as Idades Púberes aparecem nos grandes momentos da evolução do homem, por exemplo, no início do Ódio e da Descoberta da Imagem.

As Idades Púberes se manifestam também na História, pela moda do trajo: momentos importantes da História nos quais o homem e a mulher se trajam da mesma maneira (ver a minha obra Dialética da Moda [A moda e o novo homem. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2010; cf. O homem em farrapos, de Victor da Rosa]).

As manifestações do pensamento teórico do homem contêm traços da sua fase de formação homossexual. O último pensamento do mundo pagão e o começo da nova civilização se apresentam com uma formação de natureza homossexual.

O Neoplatonicismo e o Neopitagorianismo, que são sínteses do Platonicismo, do estoicismo e da última etapa do Aristotelianismo, ensinam que a liberdade da alma consistia em uma comunhão com Deus, realizada por absorção em estado de transe extásico. Este último pensamento do mundo pagão nada mais era senão uma forma de homossexualismo.

Entre os povos selvagens, com frequência, uma das almas do indivíduo é intercambiável com o seu totem, que na realidade é a sua Dupla Personalidade. Há, portanto, uma mudança de personalidade e quase uma mudança de espécie, que é mais importante ainda, mais radical que uma simples mudança de sexo.

O totemismo seria uma manifestação homossexual e o homossexualismo uma forma de totemismo. O homossexual, tendendo a uma mudança de sexo e havendo transformado o sexo oposto em tabu ou em um totem intocável, troca de sexo com o seu totem mesmo como o selvagem faz quando troca de alma com o seu totem.



Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 22 de setembro de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.