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XXXV - Notas para a reconstrução de um mundo perdido
O frio, o som e o trimestre bobo



O frio e o calor estão ligados à imprecação sonora proferida pelo homem durante o Trimestre Bobo ontogênico e filogênico. O frio conduz à imprecação sonora enquanto que o calor se associa ao homem mudo.

O fato da criança recém-nascida parar de chorar quando envolvida em panos quentes tende a indicar a existência de um clima quente quando o homem do começo era mudo. O fato do choro da criança surgir com uma sensação de frio é uma indicação do clima mais frio que reinava quando o homem começou a proferir sons.

Essas duas observações importantes estabelecendo uma ligação entre a temperatura e o desabrochar do som no organismo do homem do início, indicam a maneira fortuita pela qual o homem do começo, um ser de pouca sensibilidade, teria ampliado o seu aparelho sensorial. Um mero acidente da natureza teria permitido e marcado a evolução sensorial do homem.

No início do Trimestre Bobo a criança se apresenta cega e surda, um ser aquecido, desprovido de sensibilidade, usando o tato, o paladar e o olfato quando atirado ao acaso pelas forças da vida, o mesmo aconteceu com o homem do correspondente período Bobo; surdo, cego, ele teria oscilado ao acaso pelo chão, balbuciando a sua fome até alcançar o fim do período Bobo e a primeira sensação de força gravitacional, momento dramático em que ele bailava para não cair.

O frio teria surgido logo após o Trimestre Bobo filogênico, após as grandes tempestades com sons graves provocando o pranto, a lágrima e os momentos do tipo Samba e posteriormente o Soluço e a Marcha Hesitante rumo à Visão Geográfica, esta, ao alcançar o raiar das atividades articuladas, no fim do período do Medo que é o início da Defesa Agressiva. O frio deu ao homem Visão Geográfica.

Por outro lado os sons provenientes do mundo exterior teriam afetado profundamente o comportamento do homem. O som agudo e estridente, possivelmente de origem cósmica e espacial se identificando com a ausência de sensação de força gravitacional teria se manifestado durante o Trimestre Bobo filogênico quando a sensação gravitacional não existia e teria sido a causa, pela sua manifestação repetida insistente, da manutenção desse estado Bobo e sem equilíbrio.

O som grave, o causador da sensação de força gravitacional, ter-se-ia originado no fim do Trimestre Bobo filogênico como produto do ruído das grandes tempestades provocadas pelo calor acumulado durante o Trimestre Bobo. Porém a sensação de força gravitacional na criança apenas se inicia no fim do Trimestre Bobo e se desenvolve com lentidão; nota-se que aos dois anos de idade a criança, conquanto já sentindo a força de gravidade[,] ainda não adquire totalmente a sensação da força gravitacional pois que nessa idade ela ainda reconhece com a mesma rapidez as figuras tanto de cabeça para baixo como na posição certa.

Durante o Trimestre Bobo ontogênico e filogênico não há imitação de sons porque os sons são vogais pronunciadas de boca aberta, sem articulação e portanto sem o característico básico da imitação. É o período de sonoridade máxima: a criança e o homem, de boca aberta, balbuciam o Monólogo da Fome sem dor e sem sensação gravitacional. A sensação de dor teria aparecido como consequência da sensação gravitacional.

A imitação de sons, tanto na criança como na evolução do homem[,] surge antes da imitação visual; é um início de manifestação articulada que se processa antes da imitação de movimentos do período de Defesa Agressiva e que tem origem logo após o “Trimestre” Bobo da criança e do homem. Na criança é só aos quatro meses de idade, portanto após o Trimestre Bobo, que se dá a repetição daquilo que o adulto ensina. A parte importante do balbucio da criança aparece antes dos quatro meses de idade e evidentemente este balbucio que é anterior à imitação se associa na filogenia à base impulsiva que é totalmente alheia à imitação. Shirley, estudando a linguagem da criança, é de opinião que existe um processo constante na linguagem e acha que a expressão vocal possui uma base impulsiva. Diz Shirley: “Em última análise é o elemento expressivo que concede importância à fala e não as palavras atuais que a constitui”. Estas noções colocam a origem da linguagem no expressionismo pré-esquizofrênico onde não havia imitação. Nenhum fenômeno de imitação pode existir durante o Trimestre Bobo que contém apenas manifestações impulsivas.

Esta base impulsiva da linguagem só podia ter surgido antes do advento do Medo e dentro do Trimestre Bobo, momento em que não há formações Crepusculares em que não há alergias. O Medo é correlato com formações crepusculares que agem em forma de Defesa Passiva.


Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 06 de outubro de 1957.
Transcrição, atualização ortográfica e fixação de texto por Flávia Cera



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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.