(Não se preocupe comigo, Marcelo Yuka)

Este post inaugura a mais nova seção do blog, nomeada com a expressão de José de Alencar. O senso comum tem razão quando vê na linguagem jurídica (e, mais ainda, na judiciária) um emaranhado de palavrões que tem como única função tornar incompreensível o que está por trás deles. Ou seja, enrolação pura. Mas o que está por trás, geralmente, não é alguma coisa de valor, mas mero bullshit, achismo, teorias e argumentos de quinta, sociologia de boteco quando muito. O sentido da enrolação obtida pela linguagem jurídico-judiciária é uma neutralização da significação em nome da profusão de significantes, uma neutralização do campo onde o Direito pode ter ainda uma função progressista: aquele em que se dá um novo sentido às instituições. Quanto mais contorcionista a linguagem dos juristas, mais eles querem dizer coisas do tipo (e a estas coisas se dedica esta seção):
"É no mínimo curiosa a tese de defesa do deputado Gervásio Silva (PSDB), acusado no Supremo Tribunal Federal de atentado violento ao pudor. Segundo a denúncia, o deputado teria levado uma servidora até um hotel. Após tomar um banho, Gervásio teria surgido nu no quarto e se jogado sobre a moça na cama.
- Essa versão é totalmente inverossímil. Trata-se de uma pessoa com 140 quilos. Nem ela nem a cama aguentariam - argumentou o advogado de Gervásio, José Eduardo Alckmin."
(Fonte: Diário Catarinense, 16 de maio de 2009)
Obs.: A mesma coluna do jornal da RBS - veículo que adora plantar argumentos esdrúxulos do governo estadual como se fossem teses prováveis - informa, no tocante ao processo de cassação de diploma do Governador de SC, Luiz Henrique Silveira, o exterminador do futuro, que "O ingresso do vice Leonel Pavan, dizem os advogados, deu maior sustentação às teses da defesa". Detalhe: o advogado do governador é o mesmo José Eduardo Alckmin (que defendeu também o cassado Jackson Lago); talvez ele tenha argumentado que um Pavão, não sendo um sujeito de direito, não pode cometer crimes eleitorais...
Que Carlos Minc não é um décimo de sua antecessora no Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva, não é novidade. Que talvez ele tenha sido indicado ao cargo para acelerar as licenças ambientais também não. Mas isso não significa que ele não possa, como cidadão - e mesmo como ministro - participar de uma marcha reivindicatória. Mesmo que seja a Marcha da Maconha. Eu, particularmente, acho esta marcha contra-producente, ainda que ela tenha levantado a discussão sobre o assunto, ao menos na blogosfera (do ponto de vista jurídico, a melhor argumentação é essa feita n'O Descurvo): a nossa sociedade é das mais autoritárias, tem pouco ou nada de branda - e, em certos campos, de tão viciados, o conflito aberto produz péssimos resultados: basta lembrar o referendo sobre o desarmamento, sobre o qual escrevi de outra perspectiva. É este autoritarismo que aparece em reações, travestidas de interesse pelas questões públicas, como essa de Régis Bonvicino, a começar pelo título "Fumando um em Ipanema". O poeta pergunta, depois de criticar a política ambiental, "O que fazia então o ministro Minc na tal passeata?". Trocando em miúdos, por que ele não tá fazendo o seu trabalho, em vez de lutar pelo direito de fumar um baseado? Enquanto o aquecimento global ameaça queimar a todos, o ministro só pensa em queimar um. É fácil retrucar uma argumentação esdrúxula como essa (o que poderia ser feita no formato das Frases Feitas): por que - retorcendo a famosa questão levantada por Adorno - Bonvincino continua escrevendo seus poemas (prum público leitor mínimo) enquanto milhares de pessoas morrem de fome todos os dias?
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P.S.: Auto-jabá: saiu, na revista italiana Confluenze, um artigo meu sobre a Antropofagia. O número está ótimo e é um orgulho ser publicado ao lado de Sandra Pesavento, Boaventura de Sousa Santos e de Raúl Antelo, meu orientador. O artigo de Flávia Cera, sobre a constelação corpo e favela em Hélio Oiticica e Cesar Aira, é outro belo texto da edição: aborda o tema espinhoso da inclusão, que sempre é excludente, da periferia no modelo da cidade.


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