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 Cadeiras
 por Victor da Rosa

Por todas as salas da Fundació Brossa há cadeiras de balanço espalhadas. Logo de entrada nos deparamos com cinco ou seis, todas enfileiradas. Na sala onde passei a realizar minhas leituras diárias, há ou-tras quatro, cinco. Está claro que não desempenham nenhuma função útil. É impossível não percebê-las. Depois de alguns dias na Fundació, quando perdi um pouco a timidez, perguntei para Pepa, viúva de Brossa, de onde vinham todas aquelas cadeiras, qualquer coisa assim. Pepa respondeu que Brossa costumava levar para seu estúdio muitos objetos que encontrava na rua, algumas vezes no lixo.

Estas cadeiras, provavelmente, nunca serviram para nada, nem mesmo para Brossa - e muito menos para sentar. De qualquer modo, ocupam bastante espaço. É verdade que Brossa criou uma instalação com uma cadeira de balanço, Desnudamento, de 1991, mas é verdade também que o acúmulo de mais de vinte cadeiras absolutamente iguais excede qualquer interesse utilitário - mesmo que seja, assumindo uma contradição evidente, o interesse na criação de um objeto de arte. Quer me parecer provável, então, a hipótese de que a relação entre Brossa e os objetos se posiciona além da idéia de arte. Em outras palavras, a presença de todas aquelas cadeiras na Fundació, para mim, era o próprio apagamento do limite entre arte e vida visto do avesso, ou seja, visto segundo o ponto de vista não da arte - não a vida na arte - mas da vida mesmo.

No entanto, existe ainda algumas variantes. Na conhecida fotografia em que Brossa aparece em seu estúdio, no meio de pilhas de papéis, também aparecem algumas das mesmas cadeiras que agora estão na Fundació, por exemplo, mas se trata de uma aparição um pouco distinta. As cadeiras de balanço, no estúdio de Brossa, em linhas gerais, servem de prateleira para o apoio de papéis. A inversão torna a cena curiosa, de fato - parece que os papéis ganham uma vida qualquer, ou a escrita mesmo, ao ocupar o espaço destinado aos homens. Assim as cadeiras perdem sua primeira função para ganhar outra, agora mais imprevista. De qualquer modo, haverá certa economia de transformação dos objetos.

E em uma conversa com Glòria Bordons, uma das principais especialistas em Brossa na Catalunha, aparece uma nova e curiosa menção às cadeiras. Glòria me relatou o modo como Brossa a recebeu pela primeira vez em seu estúdio. Além de toda a encenação - porta meio aberta, alguma escuridão, certo silêncio - Brossa convidou Glòria para sentar em uma cadeira de balanço sem fundo, obrigando a crítica a se equilibrar entre a armação de madeira e a ponta dos pés. Segundo Glòria, era uma espécie de ritual que Brossa realizava com todas as pessoas que queriam entrevistá-lo.

 

 

A
Amor (D.H. Lawrence)
Amor (Flávia Cera)
Antropofagia (Jarry)
Antropofagia (Tejada)
Assalto ao céu
Assistentes

B
Bares proletários

C
Cadeiras
Cara de Cavalo
Caráter
Cartão de visita
Cauda, A
Como
Coroinhas

D
Devir-animal (ou cinismo)

E
Entidade
Espelho
Exterioridades Puras
Experiência(s)

F
Fetiche
Ficha catalográfica

G
Google

H

I
Intrusos
Intrusos (II)

J
Juridiquês

K

L
Libelo

M
Marginal
Metropolis
Mickey Mouse
Moldura Barroca

N
Negatividade

O

P
Página branca
Paráfrase
Partout
Perspectivismos
Pesquisador
Possessão
Profanação

Q
Quixotismo

R
Rio
Rosto (de Lévinas)

S
Saliência

T

U

V
Vestígios (I)
Vestígios (II)

W

X
Xeque-mate

Y

Z



Edicão integral:
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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.