Intrusos
por Vinícius Honesko
A intromissão me parece inevitável. Estamos sempre intrometidos. Somos intromissão. O desejo intrometido de sempre permanecer instalado no coração, no interior das coisas. Nunca queremos estar fora; não queremos o fora; basta-nos a comodidade da nebulosa bagunça interior. Não podemos nos deixar levar por um pesar que nos carregue para fora de nós mesmos. É estranho o modo que permanecemos nas entranhas. Parece-me que aquilo que outrora era eu não é mais que um punhado de cacos. Cacos de um sujeito cheio de si. Frágil e desajeitado esse eu é como uma redoma. Ele nos fecha, nos encerra num sentido. Sentimo-nos puro sentido de si. Intrometidos neste meio disforme – formado, que, de fato, é pura forma - que o eu carrancudo mascara. É estranho. A leveza de se deixar arrastar é inevitável. Vamos para fora, saímos. É impossível firmar-se no centro, no suposto estável interior cavernoso que nos engloba. Saímos quase sempre, ainda que pretendamos o interior. É mais cômodo o interior; às vezes até choramos o nosso lançamento para este fora. Jogados... à vida.
Que fraude é a nossa vida. Desde sempre nela nos intrometemos para dizer nossa vida. Que difícil assumir, carregar o fardo de uma imanência constante. Somos esta merda que pensamos ser! Será?! Que facilidade para a fragilidade da nossa existência. Sim, torna-se fácil. A ilusão de fechamento que nos oferecemos é sempre uma proposta da nossa frágil intromissão ao nosso eu particular (talvez nunca tivéssemos desejado realmente nascer... proposta indecente). A deriva é constante e extremamente angustiante, apesar de freqüentemente lançarmos nossas malditas âncoras de estabilidade. Parece-me, cada vez mais, que lançar as âncoras - esta saída fácil, mas às vezes nem tanto - é a intromissão número um. Isso! Intrometemos nossa âncora no mar que deveria nos levar adiante, para um além (que não é nada além do aquém mais banal) constante, e marcamos com nossos dejetos o nosso quintalzinho de mar. Assinamos na instabilidade das águas com nossa pena putrefata. Estamos estagnados, desgraçadamente estagnados num barco que não naufraga por falta de coragem. Esta é nossa condição: como bustos de praças sobre os quais defecam as aves.
Ainda assim, construímos nosso mundo como se outro não fosse possível. Marcamos com a insígnia da impossibilidade tudo aquilo que só é possível que carreguemos como possibilidade. A possibilidade constante de ir, vagar, flanar torna-se o estanque impossível, presa fácil do poder. No áureo tempo do impossível, no qual até a vida torna-se nossa e impossível de ser vivida (apenas sobrevivida), não nos resta melhor sorte do que o confronto com o impossível, fazendo dele o possível de todo instante. Não programas que apagam a possibilidade instantânea em vista de um possível futuro, mas um agora pleno de possibilidade; a expiação já cumprida do tempo condenado e o esquecimento de todo pretenso tempo redimido - a plena constatação de nossa condição: somos intrusos.
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