Há uma passagem escrita pelo moralista francês Vauvenargues, nos primeiros anos dos 1700, em que ele aponta que “Existem três princípios notáveis no espírito: a imaginação, a reflexão e a memória.” Acresce a isso a percepção de toda a sua moralia, para depois desembocar em conceitos e procedimentos do espírito humano como a delicadeza, a finura, a força, o amor, a amizade, a grandeza, a justiça, o gênio, o caráter, a seriedade e, entre algumas outras, a saliência. Diz ele, numa preocupação política para a filologia crítica que se saliência vem de saltar (em francês “saillir”, que vem do latim “salire”, que significa “saltar”, “lançar-se com ímpeto”; e que para o português chega como “sair”, ou como “saliência”, “saliente”), o “ter saliências é passar sem gradação de uma idéia a outra, que pode aliar-se a ela.” A saliência, então, pode ser lida como algo próximo – ou dentro – das intensidades do espírito, e carregada de certa potência para aquilo que inverte o sentido, que desfaz o uso e se lança a um aspecto de um princípio à profanação, algo que pode estar muito próximo, por exemplo, do “caráter destrutivo” proposto por Walter Benjamin: jovem, aberto e que ultrapassa qualquer ódio. Benjamin ainda propõe que “O caráter destrutivo elimina até mesmo os vestígios da destruição.” Desta maneira, é possível remeter o princípio de Vauvenargues acerca da saliência a este lugar profanado quando ele sugere que “As saliências ocupam de certo modo no espírito a mesma posição que o humor pode ter nas paixões. Não supõem necessariamente grandes luzes. Elas desenham o caráter do espírito; assim, aqueles que aprofundam prontamente as coisas têm saliências de reflexões; as pessoas de boa imaginação, saliências de imaginação; outras, saliências de memória; os maus, das maldades; as pessoas alegres, das coisas engraçadas etc.”
Vauvenargues ainda toma por dizer também que uma certa captura da distância é que mantém o espírito ágil e vivo, e que a possibilidade de tocar um inesperado é que pode provocar uma surpresa, que esta pode levar ao riso, à graça, e que estes espíritos são os capazes de uma elevação de si, como tais, como espíritos livres, os que penetram as relações mais aprofundadas: “É captar as relações das coisas mais distanciadas, o que demanda sem dúvida vivacidade e um espírito ágil. Essas transições súbitas e inesperadas causam sempre uma grande surpresa; se dizem respeito a algo engraçado, incitam ao riso; se a algo profundo, causam admiração; se a algo grande, elevam: mas aqueles que não são capazes de elevar-se, ou de penetrar num lance de olhos em relações muito aprofundadas, não admiram senão aquelas relações esquisitas e sensíveis que as pessoas mundanas captam tão bem.” É provável que o que diz Vauvenargues tenha a ver com um procedimento de uma moralia hierárquica, e que as relações esquisitas e sensíveis, mundanas, como ele propõe, são tomadas como baixas, outras, superficiais, talvez, mas é nelas, diz ele, que se pode provocar um sentido de penetração às intensidades humanas e suas paixões, propriamente ou quem sabe, quem saberá.