Profanação
André Breton
O jogo de xadrez é o corpo-a-corpo de dois labirintos.
Uma fraqueza constitutiva do jogo de xadrez: ele não se presta à adivinhação (ausência de uma enxadromancia).
A igreja cristã jamais proscreveu o xadrez. Ela proscreveu os dados e as cartas.
Para ser um bom jogador de xadrez, não é preciso muito espírito (Jean-Jacques ROUSSEAU): Diderot jogava xadrez muito mal e reconhecia de bom grado a superioridade de Rousseau que ganhava sempre dele.
A guerra moderna é um jogo de xadrez aperfeiçoado, comportando uma maioria de peças retrógradas.
A "rainha" do xadrez é um personagem suspeito. A facilidade dos seus movimentos sobre o campo de batalha leva a pensar que é um general disfarçado. A mulher está demasiado solitária com o jogador de xadrez (cf. Marcel DUCHAMP : Joueurs d'échecs, 1911). A verdadeira Rainha, sempre esperada, no xadrez e alhures, é aquela que foi pressentida por Barthélemy-Prosper Enfantin, chefe da religião são-simoniana (1796-1864).
A única partida legítima é aquela que só admitiria de um e de outro jogadores jogadas nunca antes feitas.
A liberdade filosófica é ilusória. No xadrez como nos outros jogos, cada jogada é carregada do passado indefinido do universo.
Para se abster de toda idéia de grandeza na competição, suportar reconhecer-se em uma pirâmide de cabeças de macacos.
Da sabedoria antiga guardar esta voz depreciativa que acompanhava o vencedor sobre sua charrete.
Somente a inspiração comanda, de noite como de dia: Em suma, nem todo cálculo é uma análise, um jogador de xadrez, por exemplo, faz muito bem um sem o outro. (BAUDELAIRE.)
O verdadeiro Napoleão (o matador) era, no xadrez, de uma habilidade medíocre. Na tumba de Lênin, Praça Vermelha, descobrir-se-á um jogo de xadrez (partida começada, abandonada?) e bóias de pesca. Contrapartida (é preciso dizer): 2 grandes inovadores em arte – Marcel Duchamp, Raymond Roussel – trouxeram soluções novas a certos problemas do xadrez.
O xadrez é um jogo que não é um jogo, ele diverte muito seriamente. (MONTAIGNE.)
É preciso mudar o jogo e não as peças do jogo.
1944
Tradução de Larissa Barcellos e Diego Rosa
[Cf. XEQUE-MATE]
|