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 Vestígios (II)

 por Cristiano Moreira

Em A rainha dos cárceres da Grécia, de Osman Lins, lemos uma passagem na qual a protagonista Maria de França, após um acesso de loucura e um transe de nove dias e nove noites, gera um ser híbrido, o espantalho. Criatura constituída por fragmentos de outros vinte e sete personagens que transitam a obra. Esta criatura toma parte do livro e seu discurso funde-se tanto ao de Maria de França, quanto ao do narrador do livro (a narrativa é um diário escrito por um professor secundário, sobre um livro inédito, deixado por sua amante antes de morrer atropelada). Temos um corpo que perambula e deixa seus vestígios pelo livro, um corpo ao qual a narradora atribui, entre vá-rios outros, o nome de Báçira. Mas é apenas um nome, uma veste.

A engenhoca deste romance do escritor pernambucano se arma sobre a arte da memória. Seus personagens são vestígios oriundos da máquina de leitura que era o próprio autor do romance. A partir da protagonista Maria de França, homônima de uma poeta normanda do séc. XII, desfilam vários outros nomes vindos de tradições místicas da antiguidade como Alberto Magno, que discutia com Tomas de Aquino problemas ligados a memória artificial e Rônfilo Rivaldo, nome de um insigne quiromante francês do século XVII chamado Ronphyle. Ainda, o próprio nome do espantalho, o Báçira, lança o leitor a um livro de Luís da Câmara Cascudo sobre a Geografia do Brasil holandês, publicado em 1956. Lá, na página 195-6, Câmara Cascudo aponta para este nome no mapa de George Marcgrave ou Marcgraf, grafado assim por Paulo Leminski no Catatau. São indícios, deixados pelo escritor para rearmarmos o jogo de leitura. O vestígio é encontrado em nota de rodapé, uma das 52 contidas no romance. Os vestígios são indícios da contemporaneidade de uma obra de arte.

Os corpos e figuras que aprecem neste livro, ilustram um aspecto do vestígio que atravessa toda li-teratura, ou seja, o próprio rastro destes personagens é um reflexo do rastro que deixa a escritura; rastro que seguimos para tentar alcançar ou criar uma imagem. O índice, indício, veste de algum corpo, muitas vezes de um corpo velado. Esta proximidade a que o vestígio põe o observador (a idéia de desvelá-lo) é justamente aquilo que impede a representação, a impossibilidade de ver o objeto de desejo. A aparição destas criaturas põe em cheque a presença, realçam o que já foi dito sobre a fotografia, por exemplo: que a fotografia mostra o que já não mais está ali, como a cena de um crime (era o que Benjamin falava a respeito de Eugène Atget).

A escrita é, em seu perímetro, uma superfície formada por marcas, impressões, o olho que as segue tenta sempre inutilmente transformá-la em outra coisa. Alcança o êxito no mesmo instante que inaugura um outro vestígio, como a reaparição destes personagens atravessando séculos de distância. A sobrevivência do vestígio compõe a memória imaterial (imaginação), como arquivos numa órbita movida pela força do tempo. Paradoxalmente, é através dos arquivos vestiginais que podemos criar nossa representação do tempo, porque dele (lembra G.Agamben) temos apenas a experiência e para elaborar a representação, recorremos às imagens, nos embrenhamos na floresta escrita e/ou desenhada para criar imagens espaciais. Os artifícios com a técnica se multiplicaram e o mercado deu-lhes a potência na ambivalência do estar/não estar (seqüência de luzes nos out-doors eletrônicos). De alguma maneira poderíamos pensar que os vestígios são índices de nada.

A
Amor (D.H. Lawrence)
Amor (Flávia Cera)
Antropofagia (Jarry)
Antropofagia (Tejada)
Assalto ao céu
Assistentes

B
Bares proletários

C
Cadeiras
Cara de Cavalo
Caráter
Cartão de visita
Cauda, A
Como
Coroinhas

D
Devir-animal (ou cinismo)

E
Entidade
Espelho
Exterioridades Puras
Experiência(s)

F
Fetiche
Ficha catalográfica

G
Google

H

I
Intrusos
Intrusos (II)

J
Juridiquês

K

L
Libelo

M
Marginal
Metropolis
Mickey Mouse
Moldura Barroca

N
Negatividade

O

P
Página branca
Paráfrase
Partout
Perspectivismos
Pesquisador
Possessão
Profanação

Q
Quixotismo

R
Rio
Rosto (de Lévinas)

S
Saliência

T

U

V
Vestígios (I)
Vestígios (II)

W

X
Xeque-mate

Y

Z


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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.