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 Rosto (de Lévinas)
 por Rodrigo Lopes de Barros Oliveira

Para Lévinas, o rosto não é a fisionomia, ou melhor, não é definitivamente o que está na frente da cabeça. Não se está em relação com o Outro ao observá-lo, descobrir-lhe a cor dos olhos. O rosto não pode ser reduzido à percepção, mas é pura exposição, encontra-se nu, destituído, de uma pobreza essencial. Mas “ao mesmo tempo, o rosto é o que nos proíbe de matar”. Ele não precisa estar em contato com algo mais para ter significado, “o rosto significa tudo por si mesmo”, ele também não pode ser contido por nada, excesso, infinito – a relação que se estabelece com o rosto não é, portanto, de conhecimento, mas de desejo: quanto maior sua satisfação, mais longe está de ser satisfeito. Ao contrário da visão, que absorve o ser, o rosto se lhe escapa. O Outro é rosto (aquilo que não pode ser reduzido à compreensão) e o rosto é “aqui-lo que não se pode matar”: como um senhor, ele nos comanda. O rosto é, portanto, resposta e responsabilidade. O assassinato, porém, não deixa de ser possível, pois, apesar de ser uma exigência ética, não é uma necessidade ontológica. Diante do rosto, no entanto, não se o contempla, mas se responde a ele, se responde ao chamado (imperativo que me designa a fazê-lo): o rosto é ao mesmo tempo riqueza e pobreza, domesticação e submissão, frágil e poderoso. A relação com o Outro é anterior a consciência, ético é a interrupção do ser pelo Outro, por isso é possível um ato de sacrifício ou apenas dizer “Depois de você!”: dou-lhe tudo, devo-lhe tudo. Esta é uma análise primária, todas as relações humanas têm esse pressuposto. Para Lévinas, assim, o privilégio com relação ao outro, numa multiplicidade de homens, deve ser moderado. Eu não posso dar tudo ao Outro, pois há alguém mais: devo “medir, pensar, julgar, comparar o incomparável”. Se o rosto é “significação, e significação sem contexto”, se poderia dizer que o rosto é um deserto: o nada que preenche todo o espaço – numa série rizomática, anacrônica: uma paisagem (Deluze), o real (Lacan), o aberto (Agamben), um crânio/rosto/retrato (Didi-Huberman), o rosto sem cabeça (Bataille), uma sobreposição infinita de máscaras (Sarduy), o não-polissêmico oposto àdifférance ou um traço do Outro (Derrida), e assim por diante. O Outro, portanto, é apenas rosto e ao mesmo tempo não tem rosto algum. Assim tudo pode tomar o lugar do rosto (não sê-lo, mas assumi-lo). Até mesmo uma coisa pode ocupar esse lugar. Exu, por exemplo, não tem rosto, ou melhor, seu rosto é o falo. Muitas vezes ele é (não há representação, eles não acreditam em teatro, como já escreveu Carpentier), ele simplesmente é uma escultura de terra de forma fálica. Mas, em possessão, este deus tem uma só perna, ou um tridente, ou um chifre, ou um pênis gigante, ou um cigarro: neste caso, é a performance (o não-textual) de seu rosto: o que chama a responder e o que diz “thou shalt not kill”, a impossibilidade de matar, a imortalidade do rosto, a demonstração do fantasma que retorna, como retorna para Hamlet, como retorna para Macbeth, pois “o rosto é o que não se pode matar”... repetidamente... outra vez...: acesso ao rosto, acesso a Deus. Arrisco dizer isto mesmo sabendo que Lévinas não ofereceu uma resposta à pergunta: “Podem as coisas assumir um rosto?”. Mas Lévinas nem sequer podia pronunciar o nome de Deus. Enquanto outros partem de um lugar talvez apenas diferente: até tomam cachaça com Ele, com Ela, ou com Eles.

A
Amor (D.H. Lawrence)
Amor (Flávia Cera)
Antropofagia (Jarry)
Antropofagia (Tejada)
Assalto ao céu
Assistentes

B
Bares proletários

C
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Cara de Cavalo
Caráter
Cartão de visita
Cauda, A
Como
Coroinhas

D
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E
Entidade
Espelho
Exterioridades Puras
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F
Fetiche
Ficha catalográfica

G
Google

H

I
Intrusos
Intrusos (II)

J
Juridiquês

K

L
Libelo

M
Marginal
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O

P
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Paráfrase
Partout
Perspectivismos
Pesquisador
Possessão
Profanação

Q
Quixotismo

R
Rio
Rosto (de Lévinas)

S
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X
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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.