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 Intrusos (II)

 por Jonnefer Barbosa

Talvez aquilo que comumente chamamos de “próprio”, “individual”, não seja nada mais que a cega obstinação do intruso. Obstinação no estabelecimento de um poder de ser, de propriedade: uma prótese de essência. Porém, este frágil e mitômano intruso, aquilo que os psicanalistas captarão como o ego, é um Prometeu desde sempre fadado ao insucesso. Se há uma propriedade do ser, uma “singularidade”, esta só se manifesta em um “substrato” de impropriedade, de alheamento, dispersão, de extravio. “Ser” é apenas assumir esta impropriedade com um próprio. Inessencialidade que não perde seu “não-caráter” de vagueza: expõe-se como mero estilo, manerie. Como dirá um sábio numa tonalidade quase zen “não um ser que é deste modo ou de outro, mas um ser que é o seu modo de ser”.

***

Mas, mesmo sendo a intrusão uma tentativa tosca de sutura do caos primordial e louco do mundo extenso irremediável, delimitação sedentária de tocas obscuras para o abrigar-se da covardia, anomalia frente ao devir ininterrupto e renovador do ser, ela, no parque temático da administração total forjada como forma de vida única no presente, tornou-se a regra suprema, o dever inabalável: Seja! Faça! Torne-se! Construímos aquários nos longínquos do oceano. Tornamo-nos presas fáceis, dóceis, domesticadas, dos poderes que, até isso!, já interiorizamos e corporificamos. Tal configuração (a despeito da abissal contingência que nos lançou até aqui) faz com que seja cada vez mais arriscada a opção do nomadismo. Amiúde o viajante correrá riscos efetivos (e não metafóricos) de ver a provisória tenda destruída e sua vida exterminada pelo mais banal dos indivíduos em qualquer esquina. Os dispositivos de controle prescindem hoje de aparatos solenes, institucionalizados. Qualquer cretino fará o trabalho sujo. Não precisará ser persuadido nem mesmo receber recompensas para isto.

Bastaria uma pequena olhadela pelo satélite: o terreno do mundo, no sentido literal do termo, está sitiado. Em seu lugar: terrenos domésticos e sedentarização. Espera-se a morte na plácida calma do minifúndio. Porém, há os deslocados, os sedentários sem casa, os Ulisses na busca por suas Ítacas. Os nômades, por seu turno, repudiam casas e Ítacas por chegar. Querem é andar por entre os lotes e escombros, arrebentar e pular cercas, embaralhar demarcações, dormir a céu aberto. Nem senhores, nem exilados Ulisses. São os raros.

A
Amor (D.H. Lawrence)
Amor (Flávia Cera)
Antropofagia (Jarry)
Antropofagia (Tejada)
Assalto ao céu
Assistentes

B
Bares proletários

C
Cadeiras
Cara de Cavalo
Caráter
Cartão de visita
Cauda, A
Como
Coroinhas

D
Devir-animal (ou cinismo)

E
Entidade
Espelho
Exterioridades Puras
Experiência(s)

F
Fetiche
Ficha catalográfica

G
Google

H

I
Intrusos
Intrusos (II)

J
Juridiquês

K

L
Libelo

M
Marginal
Metropolis
Mickey Mouse
Moldura Barroca

N
Negatividade

O

P
Página branca
Paráfrase
Partout
Perspectivismos
Pesquisador
Possessão
Profanação

Q
Quixotismo

R
Rio
Rosto (de Lévinas)

S
Saliência

T

U

V
Vestígios (I)
Vestígios (II)

W

X
Xeque-mate

Y

Z


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é um panfleto político-cultural, publicado pela editora Cultura e Barbárie: http://www.culturaebarbarie.org
De periodicidade quinzenal, está na rede desde janeiro de 2009.
Editores: Alexandre Nodari e Flávia Cera.